Revista Rua

2018-05-03T10:21:12+01:00 Histórias

André Teoman

“A minha intenção é criar produtos mais do que utilitários, sempre com um cunho emocional, de certa forma divertido”
Andreia Filipa Ferreira3 Novembro, 2017
André Teoman
“A minha intenção é criar produtos mais do que utilitários, sempre com um cunho emocional, de certa forma divertido”

A mente de André Teoman, um jovem de 28 anos que se dedica profissionalmente ao design de produto há cinco anos, é um autêntico mar de ideias. Com um conceito criativo que o faz conjugar a funcionalidade dos produtos à boa disposição do desenho, André Teoman apresenta-nos o seu lema have fun at your home [divirta-se na sua casa], apelando à aquisição de objetos que nos alegrem.

Em primeiro lugar, gostaríamos de conhecer o início deste percurso como designer. Como surge o interesse do André para este mundo criativo?

Poderia dizer que nasceu comigo e embelezar uma infância prodigiosa, mas tenho que agradecer muito aos meus pais, especialmente à minha mãe, por aquilo que sou hoje. Foram eles que incutiram em mim o gosto pela cultura. Pequenas coisas como ir aos museus das cidades que visitávamos, aprender a tocar mais que um instrumento, ir ao teatro, estar a par do panorama artístico global e local e, por vezes, fazer parte dele. Lembro-me da minha mãe nos pedir, a mim e aos meus irmãos, para desenharmos os quadros que víamos expostos nos museus, por exemplo. De certa forma, isso obrigava-nos a ver com atenção aquilo que, se não houvesse esse estímulo, seria enfadonho para crianças de oito anos. Voltei a incutir em mim mesmo essa prática este ano, de modo a desligar-me do mundo digital e obrigar-me a observar de verdade aquilo que me rodeia.

Houve, a certa altura da minha vida, um momento em que soube que queria ser alguém criativo: até meio do Secundário, acreditava que seria feliz como arquiteto, mas após conhecer a professora Paula Tavares, que me apresentou ao mundo do Design, o que este engloba e nos permite concretizar, acabei por ficar muito interessado por esta área e seguir esta minha nova paixão. Desde pequeno que cresci a acreditar que se fizermos aquilo que gostamos, e nos aplicarmos nisso, haverá sempre espaço para nós no mercado.

Natural de Viana do Castelo, essas raízes ainda se mostram nas suas criações?

Apesar de ter nascido em Viana do Castelo, as minhas origens dividem-se entre Portugal e a Turquia, pois a minha mãe é natural de lá. Desde pequeno que visito frequentemente a Turquia e tenho o conceito de “lar” dividido entre duas cidades, Viana do Castelo e Istambul. Dois lares onde me conseguia ver a viver o resto da minha vida, cada um pelas suas características únicas. Cada vez mais somos pessoas do mundo e as raízes começam a ser globais, mas não digo que ser natural de cá influencie o meu trabalho. Acho é que morar cá, de momento, me influencia pela proximidade.

Acreditámos que as experiências do dia a dia sejam a melhor fonte de inspiração. O seu trabalho é inspirado naquilo que vive?

Sem dúvida! Tudo aquilo que somos é o resultado de momentos vividos e experienciados à nossa maneira, momentos que acabam por esculpir a nossa personalidade, maneira de pensar e, claro, a nossa criatividade. Comparando a esponjas, cada um de nós vai acumulando sensações e memórias e é isso que nos faz únicos.  Por muito que tivéssemos vidas similares ou idênticas, a maneira de assimilar esses momentos seria diferente e, por sua vez, o nosso trabalho nunca seria igual. Penso que isto acaba por naturalmente se refletir no meu trabalho. Não é algo que faça propositadamente, mas intuitivamente está lá, é um pedaço de mim representado num objeto ou conceito. E todas as peças, especialmente na coleção pessoal, acabam por representar aquilo que me intriga naquele momento da minha vida. Quer seja uma técnica nova, uma função nova ou só mesmo a vontade de experimentar algo agradável.

Kaleidoscope Desk

Podemos assumir que uma das características principais das suas peças é a maneira engraçada com que nos apresenta os produtos. Há um twist bem-disposto associado à função do produto, não é? Porquê?

Neste momento, as minhas “obras” dividem-se por duas grandes paixões. De um lado, tenho a minha coleção pessoal, na qual sou um pai solteiro e faço aquilo em que acredito. É uma coleção experimental, na qual uso a intersecção entre arte e design como um espaço a explorar. O resultado são objetos, conceitos e mesmo experiências sempre com um cunho mais emocional e criativo do que inovador ou tecnológico. Muitas vezes, as peças surgem a partir do contacto com pequenos fornecedores, mas que possuem uma característica manual única ou de mestria que por algum motivo já não é muito requisitado, quer seja porque a tecnologia traz soluções mais baratas, quer seja porque o mercado já não procura o que eles oferecem. Tento então dar uma nova vida a estas técnicas com uma abordagem contemporânea, de modo a torná-las apetecíveis ao mercado. O que une estas peças de diferentes técnicas como uma coleção sólida, para já, é o conceito de have fun at your home, em que tento que cada objeto seja mais do que uma tipologia puramente funcional, mas que traga algo extra. Se em tempos bastava a um estabelecimento vender café para ser sustentável, numa época em que a oferta é vasta, estes estabelecimentos começam a oferecer uma experiência ao utilizador que deixa apenas de beber um café e passa a ter um bom momento aliado ao consumo. O mesmo deve acontecer com as peças que adquirimos para fazerem parte do nosso lar, caso contrário seriam espaços puramente funcionais que não refletiam de todo a nossa identidade.

A minha segunda paixão é o trabalho que faço com marcas. Deixo de ser o pai solteiro que faz apenas aquilo em que acredita e com quem acredita e tenho de me adaptar ao ADN dessa marca. De certa forma, eu e a marca temos que funcionar como uma família saudável se queremos tirar frutos desta relação e apresentar um produto primoroso. A parte boa desta relação é que eu não tenho que criar as pontes entre o designer e a produção, porque normalmente as marcas possuem já as suas produções com máquinas a funcionar e a cultura de design já vem desde o início da empresa.

Olhando para o seu portefólio pessoal, é muito fácil sermos transportados para um mundo de fantasia. É essa a sua intenção quando cria algo novo? Levar os clientes para um mundo de fantasia?

A minha intenção é sempre criar produtos mais do que utilitários, sempre com um cunho emocional, de certa forma divertido. Quando era adolescente estive muito ligado ao teatro de marionetas da cidade. Contar uma história e criar um universo a partir daqueles objetos sempre esteve presente na minha vida.

Neste momento, o meu approach ao produto/projeto conta sempre com um forte storytelling, que por sua vez acaba por contar a sua história em diferentes cenários. Por vezes, ao apresentar o projeto a um fornecedor ou a uma marca, crio mesmo uma história que torne mais fácil perceber o que vai por detrás do resultado final. Depois, toda a comunicação é feita à volta deste conceito que pretendo comunicar. Um bom conceito facilita imenso a vida de quem tem que comunicar aquele produto, pois têm imensas referências visuais para passar a mensagem.

Kaleidoscope Table

No seu percurso conta-se a passagem pela marca Boca do Lobo e Koket, um símbolo do mobiliário de luxo nacional. A aprendizagem nesse grupo deu-lhe o incentivo necessário à criação do seu próprio atelier?

Nunca foi um objetivo meu ter o meu próprio estúdio. Imaginava-me bem a fazer uma carreira em alguma marca e a crescer com ela. E foi o que fiz na minha passagem pelo Menina Design Group, onde trabalhei principalmente com a Boca do Lobo e a Koket. Resultou durante uns tempos, mas chegou uma altura em que já não fazia sentido para mim manter-me ligado a este grupo de marcas por várias divergências na forma de pensar. Entretanto, trabalhei com algumas marcas da Turquia apenas via online, o que acabou por ser mais uma experiência diferente para mim. Após isso, tive que repensar a minha carreira profissional, mas principalmente a minha forma de viver. O estúdio foi apenas o resultado daquilo que acabei por decidir. Eu sabia que queria lidar com várias pessoas e várias maneiras de pensar, sentia-me confiante como um designer, mas faltava-me mais do que isso para me tornar num criativo mais completo. Comecei por fazer alguns serviços para marcas enquanto ia criando as minhas peças e uma coisa levou à outra até hoje. Costumo dizer que não tenho pressa para chegar ao último degrau pois não sei onde é, por isso dou pequenos passos, mas bem dados, de forma a manter um equilíbrio na minha vida.

Neste momento, como analisa o mundo do design de produto no nosso país? Acredita que uma das dificuldades deste ramo específico é lutar por um reconhecimento do público? Quais diria serem as principais dificuldades desta profissão?

Não falando apenas de design de produto no nosso país, mas da cultura de design em geral, a grande dificuldade que vejo em relacionarmo-nos com um público nacional é a falta dessa cultura em Portugal. É algo que tem vindo a melhorar, mas que continua a ser um problema. Quantos miúdos até meio do Secundário têm realmente contacto com a disciplina de Design? A verdade é que falta um pouco de cultura em todas as frentes na juventude.

Quanto às dificuldades de profissão não vejo o reconhecimento do público como o fator principal, pois o teu trabalho é que tem que falar por si, mesmo que a imprensa não lhe dê atenção, mesmo que seja desconhecido por grande parte do público. Se for um trabalho coerente, ele trará resultados. E o mais importante é que as pessoas certas reparem nele. Como costumo dizer aos meus colegas: “Um designer famoso é tão famoso como um dentista famoso… só o conhece quem é da área”. A grande dificuldade que vejo neste momento é não existir um mercado interno, o que faz com que grande parte das marcas e pequenos estúdios tenham que se voltar para o mercado externo, o que envolve um acréscimo nos gastos para ter uma presença internacional. Vivemos em tempos em que o digital facilita estas relações, mas quando se trata de um produto físico é preciso estar nos sítios certos, nos momentos certos.

O reconhecimento internacional tem chegado aos poucos, tendo já arrecadado vários prémios e marcado presença em feiras internacionais da área. No futuro, onde quer chegar com os seus trabalhos?

A internacionalização torna-se uma constante obrigatória para a subsistência de qualquer marca ou estúdio nacional. Não é diferente comigo. Claro que me dá imenso gozo quando um evento internacional convida as minhas peças a estarem lá presentes ou quando recebo prémios. Não são aquilo que fazem o estúdio sobreviver, mas acabam por indicar que estamos num caminho certo e, de alguma forma, podem abrir portas a novos públicos e daí surgirem novas relações profissionais.

Num futuro próximo, espero apenas consolidar o meu trabalho, lançar algumas novidades em 2018 para a minha coleção pessoal, quem sabe apresentadas a partir de uma exposição a solo, e continuar o trabalho com as marcas que tenho vindo a trabalhar – ao mesmo tempo que crio novas relações. Num futuro mais distante, espero conseguir ter um impacto social/cultural dentro desta área tentando de alguma maneira dinamizar a cultura de design cá e dar a conhecer lá fora o que se faz em Portugal.

Zoo Collection

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