Revista Rua

2018-05-03T10:59:05+01:00 Opinião

Singularidade

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Tiago Do Vale
2 Março, 2018
Singularidade

Conversava recentemente com Sasikala Rajeswaran, jornalista de arquitetura indiana, que com esta pergunta revelou, sem querer, uma das mais pertinentes fragilidades da cultura arquitetónica corrente: “Dotar cada novo projeto de novidade e de singularidade é um desígnio dificílimo: como é que o superam?” É norma encontrarmos, hoje, arquitetura desenhada especificamente com a finalidade de causar espanto e de se apresentar como peça excecional.

Não é surpreendente: desde as escolas (onde a ideia e a singularidade se sobrepõem frequentemente à eficácia, à execução e à integração) até à mediatização da arquitetura (assente na imagem imediata, no simplismo conceptual e na fabricação de starquitects como figuras heroicas) há a construção de uma cultura arquitetónica superficial, assente na surpresa, nas modas, na arbitrariedade e nos gimmicks.

Infelizmente, a obra construída é invariavelmente mais perene do que as modas ou do que a surpresa efémera de um truque arquitetónico. O resultado, quando o edifício esgota esses seus únicos argumentos, é um enorme bibelot que a cidade suportará por décadas a fio.

É, também, uma pobre forma de fazer cidade: como se pode gerar um contínuo urbano, com uma identidade comum e uma imagem reconhecível, se todos os edifícios tentam ser uma exceção?

A boa arquitetura é, provavelmente, menos estridente, desenhada com critérios mais profundos e mais capazes de sobreviver à passagem do tempo.

São precisas mais obras atentas à envolvente e que com ela estabeleçam relações de harmonia, experiências arquitetónicas dedicadas ao uso e a quem usa estéticas apoiadas em valores permanentes como a ordem, o ritmo, a escala e a proporção, materiais que envelhecem com dignidade e que pertencem ao lugar…

Falamos de arquitetura que – no fundo – aprenda algo do contínuo de construção que chega até aos dias de hoje, cheio de exemplos altamente qualificados, e que não tente reinventar a arte a cada segundo.

Winy Maas, do mítico estúdio holandês MVRDV, publicou recentemente Copy Paste, um livro em que defende que a cultura da singularidade está a prejudicar a inovação em arquitetura.

Ao contrário da ciência, que progride desenvolvendo-se sobre conclusões anteriores, a arquitetura tem recusado reconhecer e construir sobre os ensinamentos do passado. “Porque não aprofundar a nossa análise arquitetónica? Porque não sermos abertos e honestos em relação às referências que fazemos? Porque não desenvolver e melhorar as inovações, explorações e sugestões dos nossos predecessores?”, defende. “Hoje treinamos os nossos arquitetos para serem originais (…) o que parcialmente é correto, mas penso que 90 por cento do ambiente construído não é acerca da originalidade”.

Esta obsessão pela singularidade tem destruído a identidade das cidades com um conjunto de construções realmente anti urbanas, cada uma gritando mais alto do que a outra, abafando ideias melhores e mais sustentáveis a longo prazo.

Será a má originalidade (rematando com uma pergunta de Phineas Harper) realmente melhor do que a reprodução brilhante?

Sobre o Autor

Arquiteto.

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