Revista Rua

2022-01-18T17:51:15+00:00 Opinião

Sr. Guimarães

Crónica
Francisco Santos Godinho
18 Janeiro, 2022
Sr. Guimarães

Nem sempre a chuva lava, nem sempre se esquece, pregas de tempo que a gente deixa por alisar, janelas que se julgam fechadas, gente que se acha esquecida,

(é obviamente na raiz da memória que nascem os esquecidos, melhor, os que achamos esquecidos)

o que é de si Senhor Guimarães? Voltou para a aldeia dos seus pais onde arrefecia as garrafas que desviava às escondidas numa pequena cova junto ao rio? Voltou a caminhar descalço para a escola? Voltou para a Suíça, onde passou as passas do Algarve durante tantos anos? Volte a contar-me os cozinhados da sua mãe e volte a dizer-me que os nossos únicos amigos são os nossos pais,

(“e mesmo assim”, acrescentava)

volte a chamar-me amigo e a chamar-me doutor para que eu me aborreça consigo e depois você sorria debaixo dos reflexos de luz e chuva do recanto do tribunal, depois de escurecer e nada mais existir, apenas o cinzento dos prédios, do céu e das gaivotas, porque o Porto é cinzento como Douro é de prata. Veja lá se volta e me traz um sorriso dos seus que por aqui anda escuro, muito escuro.

Nota: Este artigo não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.

Sobre o autor
Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Autor do livro Sentido dos dias e da página Francisco Santos Godinho. Escritor. Luto contra o tempo de caneta na mão.

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