Revista Rua

2023-11-14T23:03:10+00:00 Opinião

Nas brumas da memória

Política
João Rebelo Martins
12 Dezembro, 2022
Nas brumas da memória

O 25 de Novembro não é uma celebração da direita ou da esquerda, é um acontecimento que enobrece a democracia e todos os que lutaram por ela, evitando a guerra civil que muitos previam.

Nós, portugueses, fomos conhecendo a democracia desde os primeiros raios de sol do 25 de Abril, depois de vivermos mais de 40 anos amordaçados na segunda mais longa ditadura europeia do século XX, depois de anos de revolta e jacobismo na Primeira República, e com o peso de 800 anos de monarquia, oscilando nos últimos anos entre o absolutismo e Sebastianismo, sem que os Liberais conseguissem implementar as suas ideias para além de um punhado de burgueses do Porto.

Por isso, foram cometidos exageros; é normal e compreensível. Como foi salutar e desejável que eles tivessem sido corrigidos.

Primeiro com as eleições para a Constituinte, onde o PS, o PSD e o CDS obtiveram mais de 70% dos votos, com uma participação de 91% das pessoas. Mas onde, efectivamente, não mandavam no país e, politicamente, o resultado daquela eleição era próximo de zero, no que concerne à vontade popular. Isso estava a cargo do MFA e do PCP.

Uma democracia só o é se tiver partidos que representem a vontade popular e, antes do 25 de Novembro, o PS era aceite, o PSD tolerado e o CDS discriminado.

Por isso, o dia 25 de Novembro de 75 foi essencial: homens onde, do lado militar se destacam os Generais Ramalho Eanes e Costa Gomes – longe de serem homens de direita -, e o Coronel Jaime Neves; e do lado civil Mário Soares – Sá Carneiro tinha estado meses fora de Portugal para curar uma doença, tendo sido substituído por Emídio Guerreiro na liderança do PSD, e chegado dias antes do 25 de Novembro -, fizeram o PCP recuar, evitaram que os militares saíssem dos quartéis e que se iniciasse uma guerra civil que iria dividir o país a meio.

O 25 de Novembro não é um contra-golpe político, não é uma revanche da direita. É sim a assunção da democracia, porque não sei se não houvesse 25 de Novembro se existiria democracia.

Só há uma revolução quando, além da alteração de um regime político, há uma alteração profunda de costumes da população. Por isso, é impensável pensar-se que o 25 de Abril foi perfeito e que se fez num só dia.

Celebrar Abril é, também, celebrar o 25 de Novembro e ser integracionista: devemos aceitar quem pensa de forma diferente e devemos combater as suas ideias com ideias. Não é tentando ilegalizar partidos ou afastá-los. Foi assim em 75 e deverá ser assim hoje.

Como foi importante celebrar o 1º de Maio de 74 – o feriado que mais se deve assinalar nos estados livres e de direito democrático porque, se vive do trabalho e para o trabalho – é discutível a tributação do trabalho, mas isso é tema para outra discussão, não tendo lugar nesta crónica -, se é à custa dos rendimentos do trabalho que as populações têm melhores condições de vida, que se pode construir um estado-social, mais justo e coeso.

Como foi importante, como disse anteriormente, as eleições para a Assembleia Constituinte.

E depois do 25 de Novembro tivemos a aprovação da Constituição da República que consagrou, pela primeira vez desde a fundação de Portugal, direitos iguais a todos os cidadãos.

A partir deste momento as mulheres tiveram, na lei constitucional, direitos iguais aos homens.

Foi após o 25 de Novembro que tivemos eleições Legislativas, Presidenciais e Autárquicas, em 1976.

Foi o 25 de Novembro que abriu caminho ao fim do PREC e, anos depois, à Revisão Constitucional de 82, quando foi findo o Conselho da Revolução.

Foi o 25 de Novembro que possibilitou o início das conversações para Portugal aderir à Comunidade Económica Europeia, um projecto integracionista à escala global.

Foi graças ao 25 de Novembro que, mais de dez anos após a Revolução de Abril, pudemos ter civis nos mais altos cargos do Estado.

Abbie Hoffman disse que a democracia não é um chapéu ou um alfinete que se usa na lapela, a democracia é algo que se cultiva todos os dias.

E nós, portugueses, fomos cultivando-a todos os dias: no cumprimento de direitos e deveres, em movimentos cívicos, nas associações, nas Assembleias de Freguesia, Municipais e da República. Uns dias melhores e outros piores, é certo; mas a isso também se chama vida.

O 25 de Novembro faz parte da nossa história e assim se cumpre Portugal. Não concordo que se equipare o 25 de Novembro ao 25 de Abril e discordo completamente daqueles que querem que haja um feriado a saudar a data. Porém, deve ser lembrada.

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Nota: O autor escreve segundo a antiga ortografia.

Sobre o autor:
Consultor de marketing e comunicação, piloto de automóveis, aventureiro, rendido à vida. Pode encontrar-me no mundo, ou no rebelomartinsaventura.blogspot.com ou ainda em instagram.com/rebelomartins. Seja bem-vindo!

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