Revista Rua

2020-04-08T18:57:46+01:00 Personalidades

Ana de Barros, imunologista: “Existe muito pouco conhecimento sobre o comportamento deste vírus”

"Se a Europa seguir a tendência do Extremo Oriente, talvez as coisas melhorem entre três a quatro meses", diz-nos a imunologista portuguesa.
Redação23 Março, 2020
Ana de Barros, imunologista: “Existe muito pouco conhecimento sobre o comportamento deste vírus”
"Se a Europa seguir a tendência do Extremo Oriente, talvez as coisas melhorem entre três a quatro meses", diz-nos a imunologista portuguesa.

Especial agradecimento a Cláudia Paiva Silva.

Ana de Barros é uma imunologista portuguesa, licenciada em Genética e doutorada em Imunologia. O que poucos podem saber é que Ana também é uma excelente baixista numa banda de música independente e possivelmente será isso que, nos estranhos dias que estamos a atravessar, seja um escape à realidade surreal. Morando em Lisboa, Ana de Barros é atualmente colaboradora na plataforma Bionews Services, uma companhia cujo principal objetivo é angariar diferentes comunidades de doenças raras, oferecendo aos pacientes, pessoal médico e cuidadores as notícias mais corretas e atuais, partilhadas  a partir de instituições médicas e de investigação altamente patenteadas.

Ainda assim, e apesar dos tempos confusos que o mundo atravessa, Ana de Barros concedeu algum do seu tempo livre para responder a algumas questões sobre este inimigo invisível, SARS-COV-2, agora vulgarmente conhecido por Covid-19.

Ana de Barros ©D.R.

Como está a viver a situação atual? Acha que as medidas até agora implementadas são suficientes?

Tenho estado a manter a calma e a separar as notícias realmente válidas daquelas que são falsas. Uma vez que o meu trabalho implica procurar informação científica, é-me mais fácil ter acesso a informação real e validar a sua fonte. Até agora acho que as medidas tomadas são boas, embora ache que o Estado de Emergência devesse ter sido declarado mais cedo. Contudo, grande parte da população (não toda) ganhou uma consciência da gravidade da situação e ficou em casa ainda antes da decisão oficial do Governo e esse tipo de atitude e educação é o que nos pode levar longe na minha opinião.

Quando foi a primeira vez que ouviu falar do vírus? Sentiu em algum momento quão impactante e perigoso se poderia tornar?

Eu tive conhecimento há algum tempo, mas pouco antes de quase todas as pessoas verem as primeiras notícias nos órgãos de comunicação. Tenho de confessar que não acreditava que se tornasse em algo tão grande. Contudo tomei logo as primeiras medidas à mesma medida em que muitas outras pessoas não queriam ver o que se estava a passar – justamente antes do primeiro caso ter sido confirmado em Madrid eu estive em Espanha e já estava a usar uma máscara que, no aeroporto de Lisboa, me foi pedido para remover na passagem dos detetores de metais, embora eu tivesse explicado o porquê de não a querer tirar. Portanto, um país onde não há uma cultura científica é um país onde não há forma de estar preparado para uma situação desta natureza.

Porque é que este vírus é mais agressivo em alguns casos (não apenas a nível de contágio) e, em outros, as pessoas podem não apresentar quaisquer sintomas, “transportá-lo” e possivelmente ficarem curadas sem sequer saberem que tinham estado infetadas sequer?

Bom, isso depende sobretudo do nosso sistema imunitário e com o nosso estado de saúde no geral. Por que é que algumas pessoas morrem de infeções por bactérias e outras não? Por que é que uma pessoa mais velha poderá morrer por uma simples gripe e os mais jovens possivelmente não? A diferença aqui é que para a maioria das bactérias infecciosas existem antibióticos. Para a gripe existe vacinas. Mas para este vírus não há nada e eu acho que isso é a questão mais complicada. Não tenho sequer certeza que ele seja potencialmente mais mortífero do que os vírus similares, mas o facto de sabermos ainda pouco sobre ele é o que o torna mais perigoso.

“Existe muito pouco conhecimento sobre o comportamento deste vírus e, embora as pessoas possam ganhar imunidade ficando expostas ao mesmo (tal como irá acontecer a muitos de nós), será mais sábio que um governo espere por uma vacina que irá, entretanto, surgir, do que pôr em risco centenas ou milhares de vidas.”

Acha que o vírus já estaria presente entre a população portuguesa antes dos primeiros casos serem oficialmente reportados, isto é, semanas ou meses antes? Será possível que as cadeias de contágio já identificadas possam crescer de forma tão célere desde que se conheceu o primeiro infetado ou o vírus teria de existir antes?

Não sabemos ainda há quanto tempo este vírus existe. Pertence a uma família grande de vírus (existem vários coronavírus) e alguns deles são bastante comuns (pelo que costumamos sentir os sintomas normais de gripe). Noutros casos, estes vírus podem sofrer mutações, sendo menos comuns e mais perigosos, como no caso do SARS ou do SARS-COV-2.  Alguns cientistas acreditam que tenha surgido a partir dos mercados de animais selvagens na China, possivelmente num tipo de morcego, mas na verdade estes vírus podem existir na Natureza e não afetarem os animais. Contudo, se os humanos comerem carne crua, por exemplo, ou estiverem em contacto com estes animais, poderão ser infetados e ficarem doentes. Agora, sabemos que na China, depois de se ter sequenciado geneticamente este novo coronavírus, foram encontradas duas diferentes estirpes: uma sendo mais perigosa que a outra. Se o vírus evoluiu de animais ou de humanos ainda não é totalmente conhecido.

À medida que o SARS-COV-2 vai sendo analisado e isolado, foram descobertas na Europa outras mutações. Se estas o tornam num vírus mais ou menos forte também ainda é cedo para dizer, mas isto pode ser usado como um mapa genético de forma a conhecer as cadeias de infeção até certo ponto. Contudo, este é o comportamento normal de um vírus: irá sofrer mutação e irá adaptar-se para sobreviver em novos ambientes e hospedeiros, por isso não é exclusivo do SARS-COV-2.

“Imunidade de Grupo” – O que é que um imunologista pensa sobre isto? 

Se nos estivermos a referir à estratégia britânica eu não concordo. Existe muito pouco conhecimento sobre o comportamento deste vírus e, embora as pessoas possam ganhar imunidade ficando expostas ao mesmo (tal como irá acontecer a muitos de nós), será mais sábio que um governo espere por uma vacina que irá, entretanto, surgir, do que pôr em risco centenas ou milhares de vidas. Nós já não vivemos na Idade Média onde as pessoas ganhavam imunidade com base nestas decisões. A imunidade natural é válida certamente e é assim que nós crescemos, ao ganhar imunidade e anticorpos em tantas coisas. Mas temos de perceber quais as situações em que isso pode ser aceitável e quando não pode!

“Eu espero que, no mínimo, esta situação nos torne (países mais desenvolvidos) mais alertas de que estas calamidades não acontecem só aos “outros” menos desenvolvidos. Somos todos filhos da Mãe Natureza e estamos realmente todos no mesmo barco.”

Poderá prever ou ter alguma ideia – devido à sua experiência – de quanto tempo levará até atingirmos o pico de infeção?

Bom, na China podemos observar agora a situação a decrescer substancialmente, portanto se as coisas forem bem feitas e se a Europa seguir a tendência do Extremo Oriente, talvez as coisas melhorem entre três a quatro meses. É difícil de prever algo assim, mas se as medidas forem realmente aceites e uma vez atingido o pico, a tendência será começarmos a ver a curva no gráfico a descer.

Finalmente, uma última questão: quais são os seus pensamentos? Como vê que a vida irá ficar depois desta pandemia?

Eu espero que, no mínimo, esta situação nos torne (países mais desenvolvidos) mais alertas de que estas calamidades não acontecem só aos “outros” menos desenvolvidos. Somos todos filhos da Mãe Natureza e estamos realmente todos no mesmo barco. Por isso, espero que muitas pessoas coloquem tudo em perspetiva e percebam que se não atuarmos como uma grande comunidade global, bastará apenas um único país ou uma única pessoa para nos afetar a todos, como estamos a ver. Temos de aprender a respeitar a Natureza, parar com os mercados de vida selvagem, por exemplo, reduzir a poluição (se há algo que o medo e o isolamento social nos trouxe foi a redução drástica dos níveis de poluição). Esta é a nossa oportunidade de avaliar o nosso comportamento e compreender o que é realmente importante daquilo que não é, reavaliar a forma como vivemos na sociedade moderna. Poderia continuar com inúmeros exemplos, mas acho que por agora é um dia de cada vez. Stay home and stay safe.

Que fique apenas este registo: algo é certo, a comunidade científica está neste momento a trabalhar da forma mais unida e rápida possível de forma a travar esta ameaça global. A nós cabe-nos fazer a parte que nos é pedida, ficar em casa e ter paciência, porque também isto irá passar.

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