Revista Rua

2022-09-15T22:59:09+01:00 Opinião

Baiôa sem data para morrer

Crónica literária
João Rebelo Martins
15 Setembro, 2022
Baiôa sem data para morrer

Baiôa sem data para morrer é o primeiro romance de Rui Couceiro, uma pessoa que conheço quase desde que me conheço, com quem brinquei, discuti, sonhei com um Penedono cheio de castanhas saborosas, infinitas, quão infinita é a paisagem desde o alto do seu castelo; com a Corga, ao fundo, e, para o outro lado, a Santa Eufêmia. Mas quão grande é a imaginação de uma criança e como é que se consegue transpor para o papel tamanha dimensão?

Como conheço o autor desde tenra idade, sei que é o seu primeiro romance. Caso contrário, tal é riqueza lexical, a vivência biográfica, e a forma cativante, com pequenos capítulos capazes de nos agarrar e fazer pensar, tal como um drogado, é só mais um, podemos pensar que este seria mais um romance, dos muitos, que o autor tinha escrito.

Alberto Manguel diz mais ou menos o mesmo, de forma muito mais certeira e conhecedora do mundo literário, do que eu algum dia serei.

Não me espanta: o Rui sempre foi particularmente atento aos detalhes da linguagem, juntando a isso um sentido de humor acutilante. Por isso, foi um prazer ler Baiôa.

Sou daqueles que pensa que há muito não temos um livro que se possa chamar de literatura, um filme que honre a sétima arte, uma música que, tal como Mozart ou Vivaldi, seja popular na sua época e que a estudem na posteridade.

Este poderá ser o tal livro, farol, que nos indica que voltamos a ter algo que valha a pena ler, reler, imaginar a vida das personagens para além do que está escrito, crescer com elas.

É um livro actual, que coloca em oposição a personagem principal – para mim, o narrador -, e Baiôa. Um livro que mostra a transformação da sociedade, da era analógica para a digital, uma linha do tempo, com toda a velocidade de processamento que isso acarreta. Ou com tudo o que deixamos fazer, porque na vida dos telemóveis, das redes sociais, esquecemo-nos que a verdadeira vida é aquela que está à nossa frente, que podemos tocar, cheirar e saborear.

“Quando, cheio de cuidados, lhe perguntei se não temia que aquele esforço fosse inútil, se não era como despejar um copo de água no rio, respondeu-me com outra pergunta: e que importa isso? É inútil, mas é belo.”, pode-se ler em Baiôa.

E belo será aquele casario em Gorda-e-Feia, a aldeia criada e imortalizada neste livro, para lá de Mourão como referiu Fernando Alves – que a par de Carlos Andrade me fez gostar tanto da rádio – que nos faz pensar no prazer do silêncio, do céu estrelado, no cheiro dos campos de trigo e papoilas. Que nos transporta pela nossa portugalidade; à mesa, tão tipicamente nossa.

Dia 22 de setembro, na Biblioteca Municipal Ferreira de Castro, vou conversar com o Rui, vamos reencontrar a infância e discutir Baiôa. Será que o Adelino nos servirá uma sandes de salpicão, entre duas tesouradas no cabelo?

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Nota: O autor escreve segundo a antiga ortografia.

Sobre o autor:
Consultor de marketing e comunicação, piloto de automóveis, aventureiro, rendido à vida. Pode encontrar-me no mundo, ou no rebelomartinsaventura.blogspot.com ou ainda em instagram.com/rebelomartins. Seja bem-vindo!

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