Porque choram vocês? Foram mais ou menos com estas palavras que o Papa Francisco se dirigiu aos seus fiéis durante a via-sacra das Jornadas Mundiais da Juventude. “Todos na vida chorámos e choramos toda a vida”, acrescentou. Chorar – de alegria, de tristeza, por compaixão, por força libertadora de todos os nossos sentimentos que estão encerrados – é um acto humano; e o que Jorge Bergoglio trouxe à cúpula da Igreja Católica foi a fragilidade e a compreensão do Homem em toda a sua dimensão.
Não sou crente, não sou uma pessoa religiosa, mas tenho imenso respeito por aquilo que é o papel moralizador das religiões no mundo. Nos anos mais recentes, tal moralidade das igrejas foi importante e contrapondo com o experimentalismo político de Bruxelas, na crise financeira de 2008, que se estende até aos dias de hoje, tendo mergulhado o mundo numa crise económica, ética e moral, com uma alteração profunda nos nossos hábitos.
A Bíblia, o Corão, a Tora falam-nos num caminho de paz, humanista, conciliador. São tão importantes que fazem a transição da barbárie para a civilização, ao longo de séculos. Se forem a Jerusalém ou ao Cairo poderão ver no mesmo espaço, a poucos metros de distância, as três grandes religiões monoteístas em concílio. Se a estas juntarmos as religiões politeístas, como o hinduísmo, o budismo, e o que seria Roma e Grécia, percebemos que a grande invenção do Homem foi deus. E deus, seja ele qual for, só existe se existir o Homem.
Por isso, é fundamental para a manutenção da Igreja, regar o seu maior fruto: nós. E ninguém melhor que um Papa argentino, jesuíta – muito embora pareça franciscano nas suas acções, para o fazer.
Ratzinger foi brilhante, disruptivo em relação ao seu antecessor, com um suporte intelectual como há poucos. Foi uma pessoa que, com os seus pares de Colónia e, sobretudo, com o Cardeal Frings, teve um papel fundamental numa das maiores revoluções da Igreja Católica, o Concílio do Vaticano II. Ensinou-nos, com a sua renúncia, que o que traz a eternidade é o conhecimento – das suas próprias faculdades! – e não o lugar que ocupa. Tal deveria ser explicado a crentes e não crentes, para perceberem a importância do indivíduo e as suas escolhas.
Vamos fazer um exercício: imaginem um pobre na Argentina, ou no Brasil, ou em Angola, ou nas Filipinas. Um pobre em qualquer país do hemisfério sul é muito mais pobre do que um pobre na Europa. Não é uma questão de dinheiro, é toda uma carga de falta oportunidades, de desigualdades, de despotismo que um alemão, norte-americano, belga, francês, não consegue entender porque a sua experiência não lhe permite ver o que é que uma pessoa é capaz de fazer para sobreviver quando lhe falta o mais básico da sua vida. A Europa numa época de restolho continua a ser um paraíso comparada com o resto do mundo.
Bergoglio experienciou tudo isto; percebe, por exemplo, que não se pode falar de restrições à vontade sexual quando moram 10 pessoas em 30 metros quadrados. Mas isso é serem animais, pensarão alguns. Mas há animais que têm melhores condições de vida que muitos milhões de pessoas.
Bergoglio, crente na sua Fé, em Cristo, olha para a sua Argentina e pensa, com toda a naturalidade, que se Deus existe, terá que ser, em primeiro lugar, a salvação para os que mais sofrem e os que menos têm.
Num mundo global, com cada vez mais desigualdades, com políticas falhadas e oportunidades perdidas, estamos a ficar mais argentinos que alemães. Por isso a palavra do Papa é tão importante, por isso é que a visita ao bairro da Serafina teve um papel simbólico, fulcral, naquela que é a estratégia actual da igreja no mostrar as desigualdades do mundo.
Como não podia deixar de ser, na sua passagem por Lisboa, depois de todos os escândalos sexuais na igreja, o Papa ouviu as pessoas. Ouviu as vítimas, não se escudou. Pode ser que com o seu exemplo, os abusadores peçam desculpa porque, para muitos dos que sofreram, é isso que estão à espera.
Não sou crente, não sou uma pessoa religiosa. Acredito na força e na vontade dos que querem fazer a diferença, que lutem por um mundo melhor para todos nós. Ser Papa é ser um actor político. Jorge Bergoglio sabe-o e fá-lo bem.
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Nota: O autor escreve segundo a antiga ortografia.
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