
Exmo. Senhor Presidente da República Portuguesa,
Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa,
Escrevo-lhe uma carta aberta para que Vossa Excelência – e todos quantos a leem – saiba que lhe quero transmitir, enquanto oliveirense e cidadão preocupado com a polis, que tive imenso orgulho quando soube que condecorou, a título póstumo, o Senhor Arquitecto Gaspar Domingues, com a Ordem do Mérito, Grau Comendador.
Uma das muitas definições de arquitectura diz-nos que: a arquitetura é a arte e a técnica de projectar, construir e modificar o habitat humano, incluindo edifícios de todos os tipos.
Eu reforço que quando se altera o habitat humano, se altera a forma de vida das pessoas. E um arquitecto, ao projectar uma determinada acessibilidade, casa, edifício, ect., sabe que vai alterar para sempre e por várias gerações, a forma de vida das pessoas que vivem ou transitam nas suas imediações. Com isto, um arquitecto tem a capacidade de alterar a visão colectiva de um povo.
Vossa Excelência conhece Oliveira de Azeméis e, como certamente lhe disseram, muito do edificado da urbe, nos anos 60 e 70, como é o caso do Hotel Dighton e o seu piso giratório, o prédio do Gémini, a primeira recuperação do Cinema Avenida que deu lugar ao Caracas, a Estalagem S. Miguel, o CTA, foram projectados por Gaspar Domingues. São obras marcantes, não só no edificado mas, sobretudo, para as pessoas que se identificam e identificam a cidade com aquilo que chamamos cultura e tradição.
Mas a dimensão de Gaspar Domingues não se esgota na arquitectura. Foi professor no colégio, tendo ensinado muitas centenas de alunos.
Posteriormente dedicou-se à política e ao associativismo. À Santa Casa da Misericórdia, à qual dedicou obra e, sobretudo, tempo.
Por tudo isto, considero-o um humanista. Um homem que podemos seguir o seu exemplo e, por isso, no ano em que presidi ao Rotary Club de Oliveira de Azeméis, homenageamos o seu mérito profissional, sobe o mote “ o arquitecto que desenhou a sociedade oliveirense”.
Na altura referi que só são homenageados aqueles que têm mérito. Numa sociedade justa e equalitária, os melhores, os mais capazes, sobressaem da escuridão e deverão ser exemplo para os demais, crendo que o homenageado foi exemplo, pelo sua conduta e profissão, para a sua geração e as gerações vindouras; e isto só se consegue quando olhamos de igual forma os nossos pares.
Na altura também falei de liberdade. Falar de liberdade perante um homem que desde sempre não teve qualquer pejo de dizer e fazer o que sempre pensou, é uma redundância. E os homens livres são assim, lutam pelos seus ideais, tal qual D. Quixote e os moinhos, por muitos avisos que recebem e por muitos inimigos que vão coleccionando.
Foi das poucas honrarias que recebeu em vida. E, como qualquer pessoa ciente do seu trabalho, tenho a certeza que gostou de a ter recebido, como teria em ter recebido outras.
E, talvez por isso, Vossa Excelência atribuiu, a título póstumo, o Grau de Comendador a pessoa de tão vastas qualidades. Poderia ter sido em vida e por alguns dos seus antecessores.
Mas, para muitos, o Arquitecto Gaspar, esteve sempre do outro lado da barricada, apoiando e candidatando-se contra o poder. Como pode haver uma barricada quando o pretendido sempre foi a igualdade e a melhoria das condições de vida da população?!
Termino Senhor Presidente, reafirmando o orgulho que, como seu eleitor, oliveirense, companheiro rotário, senti orgulho quando soube da atribuição da comenda. Foi feita justiça.
Bem-haja,
João Rebelo Martins
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Nota: O autor escreve segundo a antiga ortografia.
Sobre o autor:
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