Cláudia Faria, natural do Funchal, especialista na temática britânica na Madeira e diretora de uma das melhores publicações artístico-culturais do arquipélago, Islenha, agarra as suas memórias de visita ao Porto Santo, a designada “pérola do Atlântico” para, em tom bem-humorado, propor-se a uma descrição da pequena (grande) ilha. Neste Dicionário Sentimental do Porto Santo, publicado pela editora açoriana Letras Lavadas, é-nos contada a história de pessoas-personagem, de tradições e sabores, de espaços e locais, tal como o nome indica, através de palavras e adjetivos que caracterizam tão bem a ilha. O que quererá dizer “salão”, o que significará “entobiado” e a que sabe a “escarpiada”?
Numa postura que não é saudosista, Cláudia leva o leitor a um ambiente mais antigo, longe do que já vamos conhecendo, para uma época de simplicidade, onde todos se conheciam – e ainda se conhecem. Um pequeno e essencial tributo ao Porto Santo e aos seus “profetas”, que foi partilhado com a Revista Rua em entrevista.
Este dicionário sentimental é um registo de memórias. Qual a recordação mais antiga que tem do Porto Santo?
Sim, é um registo de memórias, uma espécie de diário íntimo de A a Z. Talvez a recordação mais antiga seja a de tomar banho no poço de lavar a roupa sem tirar as braçadeiras. Devia ter 3-4 anos.
Sabemos que a ideia de escrever este tributo partiu do exemplo açoriano, no qual já se tinha feito também um pequeno dicionário para uma das suas ilhas. Mas porquê o Porto Santo em concreto e não a Madeira, a sua terra natal? Seria algo demasiado natural para si, ou até mesmo, óbvio, uma vez que estaria a falar da sua casa?
Sim, a ideia surgiu após a leitura do Dicionário Sentimental de S. Miguel da professora Fátima Sequeira Dias. Porém, tentei divergir um pouco, isto é, estender-me para lá dos aspetos linguísticos, que não são a minha área e daí este dicionário incluir pessoas, lugares, acontecimentos, vivências e até episódios cómicos.
Ainda ponderei fazer sobre o Funchal, mas logo me dei conta que seria uma tarefa hercúlea e morosa. Eu tenho uma tendência para escrever e escrever; tenho alguma dificuldade em colocar o ponto final e, neste caso, a capital madeirense contribuiria para sustentar este defeito e nunca mais acabaria porque haveria sempre mais uma coisa a acrescentar. A verdade é que agora também já me dei conta que deixei temas e pessoas de fora do Dicionário do Porto Santo. É inevitável, acho eu! Portanto, a justificação acaba por cair por terra (risos). O facto do Porto Santo ser uma ilha muito querida pelos madeirenses terá pesado na minha escolha? Sem dúvida que sim, mas agora e passado algum tempo, sinto que este livro foi tomando forma ao longo de muitos anos. Estava já cá dentro. Esta foi a oportunidade de o pôr cá fora. Acho que só precisava de um incentivo… que chegou pela inspiração no Dicionário de Ponta Delgada.

De onde nasceu esse amor à ilha dourada?
O amor pela Ilha Dourada sente-se. Não creio que seja possível explicar ou identificar o momento em que surge. Pelo menos para mim, é assim. É quase epidérmico. Ali tudo se conjuga. Tudo “é” em mim.
E se tivesse que escolher uma única palavra do seu dicionário, para caracterizar o Porto Santo, qual seria e porquê?
Agasalho! Mas esta palavra não está lá, pelo menos em forma de entrada, embora percorra o livro todo. Para mim o Porto Santo é um “lugar-agasalho”, um colinho onde me sinto acarinhada e segura. É uma espécie de concha que me protege e fico sempre com a sensação que tudo o que preciso está ali e o resto do mundo deixa de ter importância.
Para terminar: qual a memória que acha que deveria ficar para sempre na mente das pessoas que visitam o Porto Santo, principalmente as que fazem apenas uma viagem única à ilha?
Além da memória ser muito traiçoeira, pode, na verdade, manifestar-se de forma muito diversa. Há quem se foque num paladar, num odor, num toque, numa gargalhada ou até numa lágrima. Todavia, e para aqueles que vão uma única vez ao Porto Santo, espero que recordem esta ilha – lugar do princípio – como “um corpo suave e atlântico”, nas palavras de José António Gonçalves.