De que serve uma revolução se não houver uma música?
A guerra a leste é uma revolução de fronteiras e de costumes, tão costumeira na história; nós é que ficamos cristalizados no pós-guerra, porque não queríamos acreditar que algum dia seria possível passar-se pelo que os nossos antepassados viveram entre 1914 e 1945.
Porque a CEE veio trazer paz a países irmãos que tantas vezes lutaram entre si, por um punhado de terra, por um poço de água, por um casamento, por Cristo, durante séculos. Com a paz, houve o sonho e, posteriormente, a necessidade de se encurtar fronteiras, de se negociar e conviver de forma livre e aberta dentro do espaço europeu.
Lech Wałęsa e Karol Wojtyla deram um empurrão e Mikhail Gorbachev aproveitou para ficar na história. A NATO aproveitou-se para aumentar a sua linha de influência a leste, tanto que Mário Soares, em 2008, escrevia “A NATO, que se tornou um verdadeiro braço armado dos Estados Unidos, está a fazer também estragos noutras regiões do mundo. Refiro-me ao Cáucaso, às zonas do Cáspio e do Mar Negro e aos países limítrofes da Rússia Ocidental. Estes quiseram logo entrar na NATO, com a ilusão de que teriam mais garantias de segurança, sob o chapéu americano, do que na União Europeia… e a NATO, cercando a Rússia e instalando na Polónia e na República Checa bases de mísseis, começa a ser uma ameaça para a Rússia, que a pode tornar agressiva. Um perigo!”.
Nós e os Espanhóis, aqui no extremo mais a oeste da Europa, os Holandeses e os Belgas, mais a norte – e até os britânicos! – sempre convivemos bem com isso: os nossos impérios foram ultramarinos. Mas como pensam os Germânicos, os Prussianos, os Austríacos e Húngaros? O império deles foi sempre um império territorial europeu. E como escutei muitas vezes o Professor Adriano Moreira falar, a memória de um povo é superior à assinatura de qualquer tratado.
Por isso é normal que alguém como Putin pense que a Ucrânia deveria ser uma província russa, da mesma forma que, por cá, haverá quem pense que ainda somos um território do Minho a Timor, ou que haja alguém em Ponferrada que pense que Guimarães deveria ser espanhol. Serão essas pessoas loucos? A história escrita os julgará.
Mas independentemente de quem tem razão, de quem provocou, de quem é que se sentiu ameaçado primeiro, uma guerra não é algo que se deva tomar de ânimo leve: são milhões de pessoas inocentes que sofrem. Vemos imagens que pensávamos que não iríamos ver numa televisão a cores, de mulheres e crianças a atravessarem à pressa a fronteira, deixando para trás toda a sua vida; deixando para trás os maridos que, pelo afã patriótico, vão combater o urso com uma fisga.
Falo no plural porque, certamente como eu, muitos sentem a angústia daquela gente, porque somos pais e não imaginamos sequer, no nosso pior pesadelo, que os nossos filhos passem por uma situação idêntica à daqueles milhares de crianças e bebés. São choros que não se esquecem, lágrimas de desespero, de profunda tristeza de quem não sabe se algum dia voltará a poder beijar a sua mãe, o pai, os avós; expressões que são impossíveis de esquecer.
Está-se a fazer uma revolução no leste da Europa. Está-se a invadir um país, a alterar uma fronteira, a alterar de forma extremamente significativa o modo de vida dos ucranianos, dos europeus, do mundo. Em nome de quê?! Será que vale a pena o sofrimento de toda uma nação?!
Não sou uma pessoa de fé; melhor dizendo, a minha fé está no pensamento e na acção de homens e mulheres. Por isso, termino esta crónica como uma amiga minha costuma dizer: “faremos a ‘política melhor’ de que nos fala o Papa Francisco: “… poderá o mundo funcionar sem política? Poderá encontrar um caminho eficaz para a fraternidade universal e a paz social sem uma boa política?” Não.
Espero que, por todos nós, seja feita uma boa política.
Nota: O autor escreve segundo a antiga ortografia.
Sobre o autor:
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