Revista Rua

2023-11-14T23:07:14+00:00 Opinião

Como se pode esquecer um rosto em lágrimas?

Atualidade
João Rebelo Martins
11 Março, 2022
Como se pode esquecer um rosto em lágrimas?

De que serve uma revolução se não houver uma música?

Ou um casal apaixonado?

E, claro está, um herói!

A guerra a leste é uma revolução de fronteiras e de costumes, tão costumeira na história; nós é que ficamos cristalizados no pós-guerra, porque não queríamos acreditar que algum dia seria possível passar-se pelo que os nossos antepassados viveram entre 1914 e 1945.

Porque a CEE veio trazer paz a países irmãos que tantas vezes lutaram entre si, por um punhado de terra, por um poço de água, por um casamento, por Cristo, durante séculos. Com a paz, houve o sonho e, posteriormente, a necessidade de se encurtar fronteiras, de se negociar e conviver de forma livre e aberta dentro do espaço europeu.

Lech Wałęsa e Karol Wojtyla deram um empurrão e Mikhail Gorbachev aproveitou para ficar na história. A NATO aproveitou-se para aumentar a sua linha de influência a leste, tanto que Mário Soares, em 2008, escrevia “A NATO, que se tornou um verdadeiro braço armado dos Estados Unidos, está a fazer também estragos noutras regiões do mundo. Refiro-me ao Cáucaso, às zonas do Cáspio e do Mar Negro e aos países limítrofes da Rússia Ocidental. Estes quiseram logo entrar na NATO, com a ilusão de que teriam mais garantias de segurança, sob o chapéu americano, do que na União Europeia… e a NATO, cercando a Rússia e instalando na Polónia e na República Checa bases de mísseis, começa a ser uma ameaça para a Rússia, que a pode tornar agressiva. Um perigo!”.

Nós e os Espanhóis, aqui no extremo mais a oeste da Europa, os Holandeses e os Belgas, mais a norte – e até os britânicos! – sempre convivemos bem com isso: os nossos impérios foram ultramarinos. Mas como pensam os Germânicos, os Prussianos, os Austríacos e Húngaros? O império deles foi sempre um império territorial europeu. E como escutei muitas vezes o Professor Adriano Moreira falar, a memória de um povo é superior à assinatura de qualquer tratado.

Por isso é normal que alguém como Putin pense que a Ucrânia deveria ser uma província russa, da mesma forma que, por cá, haverá quem pense que ainda somos um território do Minho a Timor, ou que haja alguém em Ponferrada que pense que Guimarães deveria ser espanhol. Serão essas pessoas loucos? A história escrita os julgará.

Mas independentemente de quem tem razão, de quem provocou, de quem é que se sentiu ameaçado primeiro, uma guerra não é algo que se deva tomar de ânimo leve: são milhões de pessoas inocentes que sofrem. Vemos imagens que pensávamos que não iríamos ver numa televisão a cores, de mulheres e crianças a atravessarem à pressa a fronteira, deixando para trás toda a sua vida; deixando para trás os maridos que, pelo afã patriótico, vão combater o urso com uma fisga.

Falo no plural porque, certamente como eu, muitos sentem a angústia daquela gente, porque somos pais e não imaginamos sequer, no nosso pior pesadelo, que os nossos filhos passem por uma situação idêntica à daqueles milhares de crianças e bebés. São choros que não se esquecem, lágrimas de desespero, de profunda tristeza de quem não sabe se algum dia voltará a poder beijar a sua mãe, o pai, os avós; expressões que são impossíveis de esquecer.

Está-se a fazer uma revolução no leste da Europa. Está-se a invadir um país, a alterar uma fronteira, a alterar de forma extremamente significativa o modo de vida dos ucranianos, dos europeus, do mundo. Em nome de quê?! Será que vale a pena o sofrimento de toda uma nação?!

Não sou uma pessoa de fé; melhor dizendo, a minha fé está no pensamento e na acção de homens e mulheres. Por isso, termino esta crónica como uma amiga minha costuma dizer: “faremos a ‘política melhor’ de que nos fala o Papa Francisco: “… poderá o mundo funcionar sem política? Poderá encontrar um caminho eficaz para a fraternidade universal e a paz social sem uma boa política?” Não.

Espero que, por todos nós, seja feita uma boa política.

Nota: O autor escreve segundo a antiga ortografia.

Sobre o autor:
Consultor de marketing e comunicação, piloto de automóveis, aventureiro, rendido à vida. Pode encontrar-me no mundo, ou no rebelomartinsaventura.blogspot.com ou ainda em instagram.com/rebelomartins. Seja bem-vindo!

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