O estandarte da solidão ergue-se no inverno, quando no silêncio da sala em bruma a madeira seca dos troncos no recuperador estalam. Nem toda a crónica é biográfica, nem toda a escrita se faz presente de uma entidade que escreve – por vezes requer-se uma voz que só o leitor pode ouvir.
Há um rasgo de desânimo quando se principia o dactilografar por obrigação. Simultaneamente há um desvario quando a vontade acode o autor. Não se encontra deleita na redação nem na sua ausência. É um paradoxo que tento evitar escrevendo cada vez menos e menos.
A esperança que regurgitava na mente dos artistas (inclusive na minha) para os novos anos vinte não antecediam um desenlace tão trágico. Valoriza-se o tempo de uma maneira totalmente diferente. Uma rutura na normalidade dos carris do tempo obrigam a que o artista se repense.
Já não basta a modéstia de se pensar em termos de pedante sofredor com o aborrecimento do quotidiano. A poesia de “citação” já não pode colmatar a necessidade de poesia – de poesia que salve o pescoço da corda ou que ate o nó e pontapeie o banco.
Escalpe a sangue frio – cicatriz que requer um movimento constante da diferença. Outrora a instância do protagonista face ao mundo por vir cheio de maleficências amaldiçoadas e traidoras com solução no cachimbo de ópio e na garrafa de vinho ruiu. O mundo fragmentou-se e clama por novas vozes que possam salientar cada fragmento – salientar, não colar. Isso talvez seja trabalho de uma posterioridade de argamassas – para já que se observe o fragmento.
Como um espelho. O fragmento reflete o espírito de cada habitante. O obscuro que habita no âmago do peito e por vezes se faz escutar, quando a madeira seca dos troncos estala.
O que julgamos serem pilares que sustentam uma casa, não passam de tinta cristalizada que casca com a humidade das turbulências. Aquilo que verdadeiramente são os alicerces e aguentam todo esse peso está ainda por descobrir (ou por escutar). Num silêncio que pode dizer mais que qualquer diálogo ou debate.
A demanda homérica de uma viagem infindável.
Sobre o autor
Licenciado em Filosofia (atual mestrando). Escritor, no sentido lato da palavra. Um apaixonado por boa literatura. Presente através do ig (@marcioluislima) e de becodapedrazul.wordpress.com. Toda a escrita tem por base o detalhe certo, daí sucede-se a vida.