Revista Rua

2022-03-14T10:46:19+00:00 Opinião

Dezassete de janeiro de dois mil e vinte e dois

Crónica
Francisco Santos Godinho
14 Março, 2022
Dezassete de janeiro de dois mil e vinte e dois

Escrevi para dizer que o rapaz vai andando, manco, mas lá vai. Lembras-te das ondas lá no fundo, na Foz? De pezinhos a abanar como pessoas sentadas em parapeitos, incessantes. Em que pensavas tu, quando as vias? O Marquês continua igual, as velhotas de olhar perplexo como se o mundo inteiro as espantasse,

(quem diz que não as espanta de verdade?)

há um senhor que pede dinheiro no semáforo, com um boné na mão e não fala, baila entre os carros numa leveza de nuvem, esse nunca conheceste. Outro senhor barbeia-se na rua, fazendo da montra abandonada do restaurante o seu espelho: é um senhor com letra maiúscula, um rei, de certeza absoluta, carregando as rugas num rosto seráfico. Que reino comandará? Hoje fomos os três aí, os três. Cada vez mais percebo que são fios de sentimentos que fazem as pessoas. As memórias lá vão moldando os sonhos, parece-me que isto também se vai tornando mais verdade. Ou ao contrário, talvez. Ou ambas. O comboio na linha lá em baixo, a costurar o Douro pela margem com a sua linha de carruagens. Quem trará? Para onde vão? Será que se dão conta que hoje é um dia extraordinariamente maravilhoso, onde ninguém chora? Gente feliz nunca chora, pois não?

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Nota: Este artigo não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.

Sobre o autor
Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Autor do livro Sentido dos dias e da página Francisco Santos Godinho. Escritor. Luto contra o tempo de caneta na mão.

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