Revista Rua

Diogo Infante: “Tento não valorizar demasiadamente algo que não controlo: a passagem do tempo”

Uma conversa com Diogo Infante sobre o seu percurso e os seus anseios futuros.
Diogo Infante ©Nuno Sampaio
Andreia Filipa Ferreira20 Julho, 2022
Diogo Infante: “Tento não valorizar demasiadamente algo que não controlo: a passagem do tempo”
Uma conversa com Diogo Infante sobre o seu percurso e os seus anseios futuros.

Cruzámo-nos com Diogo Infante no Coliseu do Porto, momentos antes de subir ao palco com o Amor é Tão Simples. Numa entrevista sobre presente e futuro, apresentamos Diogo Infante enquanto ator, encenador e diretor artístico, um leque de responsabilidades que vão preenchendo os seus dias e garantindo o preenchimento da sua alma.

Diogo Infante ©Nuno Sampaio

O Diogo é um ator bastante querido pelo público português e a verdade é que se tem desdobrado entre papéis, do teatro à televisão. Como olha para a sua carreira hoje em dia? Está num momento profissionalmente feliz?

Na realidade, eu só olho em retrospetiva ou sinto necessidade de fazer balanços quando os jornalistas me desafiam a fazê-lo. Porque não é da minha natureza estar sempre a olhar para trás. Não procuro muito o que fiz, não penso muito nisso. De vez em quando tenho que reorganizar o currículo e penso “Meu Deus, já fiz tanta coisa!”. É evidente que guardo um sentimento de orgulho e de sucesso associado a muitas coisas que fiz… outras nem por isso (risos). Sobretudo, é um enorme prazer ter o privilégio de fazer aquilo que gosto. De conseguir concretizar muitos dos projetos que tenho em mente. Isso de facto é um privilégio que, obviamente, também conquistei. Mas tenho sempre presente a noção de responsabilidade que tenho, a vários níveis: como diretor, como encenador, como ator. Há a pressão de estar à altura das expectativas e, na maior parte das vezes, eu estou muito mais preocupado com aquilo que vem do que com aquilo que já passou. Estou sempre a pensar no que ainda posso fazer, quais são os desafios, o que é pertinente, o que é atual, o que pode chegar às pessoas… Porque eu não concebo a minha profissão, nem a minha carreira, nem aquilo que faço, sem pensar no público. É evidente que tenho que ter em mim um eco, uma urgência, uma necessidade, porque é isso que torna o projeto necessariamente mais interessante para mim, mas penso sempre no meu interlocutor. A quem é que eu vou falar? A quem é que me vou dirigir? Como vou transmitir esta mensagem? Isso são questões que me vão preocupando e que me preenchem grande parte do dia… e mesmo da noite. Mas que me deixam com sentimento de alerta, desperto, vivo, inquieto. São todas as questões que me deixam feliz e empenhado em algo que me preenche o dia, a vida, a alma. Claro que, de vez em quando, lembro-me da idade que tenho e penso que há papéis que já não posso fazer, que já não são bem para mim. Mas não me preocupo tanto com a aparência, nem com a queda de cabelo (risos) Tenho-me em conta como uma pessoa saudável, muito ativa. Tento não valorizar demasiadamente algo que eu não controlo: que é a passagem do tempo. O que tento fazer, sim, é aproveitar os momentos que tenho com a minha família, com os amigos, com o trabalho e saboreá-lo ao máximo. Porque, na verdade, nunca sabemos quando isto acaba. Portanto, tenho presente a necessidade de aproveitar bem as oportunidades que a vida me dá.

Diogo Infante ©Nuno Sampaio

“Tenho sempre presente a noção de responsabilidade que tenho, a vários níveis: como diretor, como encenador, como ator. Há a pressão de estar à altura das expectativas e, na maior parte das vezes, eu estou muito mais preocupado com aquilo que vem do que com aquilo que já passou. Estou sempre a pensar no que ainda posso fazer, quais são os desafios, o que é pertinente, o que é atual, o que pode chegar às pessoas…”

O Diogo é diretor artístico do Teatro da Trindade. O papel de encenador dá-lhe oportunidade de repensar o teatro, de formar novos atores, de criar novos públicos. Ser responsável por esta estrutura tem sido um desafio importante neste seu percurso?

É um trabalho que eu tenho vindo a desenvolver já há algum tempo, desde que assumi a direção artística do Teatro Maria Matos há 15 anos. Desde aí passei por várias direções artísticas, como o Teatro Nacional D. Maria II e agora estou no Teatro da Trindade há cerca de cinco anos. Eu gosto deste desafio. Gosto desta responsabilidade. Gosto da possibilidade de tentar contribuir para criar um tecido cultural e nomeadamente teatral mais ativo, mais pertinente, mais perto do grande público, sem pudores. Faço e acredito num teatro generalista de qualidade, ou seja, um teatro mainstream, mas que passa por textos clássicos, desde Shakespeare a Noël Coward ou o que for. Eu acho que, se conseguirmos transmitir ao público esta sensação de que o teatro é efetivamente algo que acrescenta à vida deles, então o público adere. Então, se for feito com talento e com criatividade, ainda mais! Eu estou sempre a lançar desafios ao meio teatral, aos artistas, aos atores e encenadores, para me ajudar a compor propostas de programação que sejam aliciantes e atrativas. Devo dizer, passando a imodéstia, que tenho conseguido. Temos tido projetos de sucesso ao longo dos anos. Ainda agora acabei de lançar uma nova programação. Aquilo que caracteriza o Teatro da Trindade são espetáculos de teatro com carreiras de longa duração. O próximo que abrirá a temporada já em setembro é o Diário de Anne Frank, um projeto do qual tenho muita esperança porque é um texto absolutamente fantástico e de uma pertinência e atualidade assustadora. Eu tenho estas preocupações culturais, mas também políticas e sociais porque acho que está tudo ligado. Reflito e gosto de refletir sobre essas escolhas que tenho de fazer e faço-o com antecipação, tanto quanto possível. Faço-o sobretudo com enorme sentido de responsabilidade e muito, muito prazer.

Diogo Infante ©Nuno Sampaio

Saímos de uma pandemia em que a questão da importância da cultura foi muitas vezes mencionada. Aprendemos algo com esta pandemia, mudamos algo no seu ponto de vista?

Eu acho que é cedo para fazer essa avaliação. É verdade que todos nós – ou pelo menos a generalidade das pessoas – percebeu a importância que a cultura pode e deve ter porque foi ela que, de alguma maneira, nos salvou. Foi ouvir música, foi ler livros, foi ver filmes, foi, no fundo, alimentar o espírito numa altura em que estávamos todos tão emocionalmente debilitados e até mesmo assustados. Eu acho que nós passamos infelizmente demasiado tempo com a gestão diária da economia, aquilo que eu chamo de “gestão de mercearia” porque como somos um país pobre temos de estar sempre a contar os tostões. Mas isso não significa que não tenhamos uma visão mais ambiciosa para o papel da cultura deste país. E é isso que eu espero e desejo que tenha acontecido: que haja a consciência coletiva da importância que tem a cultura nas nossas vidas, começando pela educação dos nossos filhos e depois nos próprios hábitos que vamos criando e desenvolvendo porque efetivamente eles quando são felizes deixam-nos mais preenchidos, mais saudáveis e mais otimistas. É isso que se deseja!

Diogo Infante ©Nuno Sampaio

“Eu acho que nós passamos infelizmente demasiado tempo com a gestão diária da economia, aquilo que eu chamo de “gestão de mercearia” porque como somos um país pobre temos de estar sempre a contar os tostões. Mas isso não significa que não tenhamos uma visão mais ambiciosa para o papel da cultura deste país.”

É impossível não perguntarmos que planos existem para os próximos tempos em termos de carreira. O que tem na manga, Diogo?

Na verdade, não posso contar muito porque o teatro ocupa grande parte do meu tempo na qualidade de diretor, mas também nos projetos que vou dirigindo ou interpretando. Para o ano, vou encenar um espetáculo do Tennessee Williams com dois atores brilhantes, Miguel Guilherme e Luísa Cruz. Estou muito entusiasmado com essa perspetiva. Para mim próprio, na verdade, não há assim nada no imediato. Estou neste momento a acabar as gravações da novela Quero é Viver e estou ainda com a peça O Amor é Tão Simples. Vamos seguir com a digressão a partir de setembro pelo país, o que me vai ocupar até ao final do ano. Vou também precisar de algum tempo para recarregar baterias, porque se estamos sempre a produzir, às tantas a fonte esgota-se um pouco. É preciso viver para representar a vida! Eu preciso então de viver um pouco, descansar. Claro que a cabeça não pára, não desliga, estou sempre a congeminar vários projetos, todos eles com muito entusiasmo.

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