Revista Rua

2023-11-14T23:20:55+00:00 Opinião

Discurso político e realidade ilusória

Sociedade
Nuno Roby Amorim
11 Março, 2020
Discurso político e realidade ilusória

Foi um ano em cheio. Três escrutínios sucessivos transformaram o país numa enorme plataforma de discussão política. Televisões, rádios e jornais amplificaram uma realidade utilizada nas redes sociais sobre o discurso como algo que sustenta e ao mesmo tempo é sustentado pela ideologia de um grupo ou de uma instituição social.

O chamado discurso político é, no sentido restrito, uma forma de argumentação pela qual um falante (individual ou colectivo) tem como objectivo final a obtenção do poder. Através desta definição, tendemos a fazer do discurso político um discurso de poder. Esta forma de conceber a realidade pode ser explicada pela importância da palavra no acesso ao poder. É realmente difícil imaginar uma luta política sem o discurso político.

Mas, de um ponto de vista mais amplo, o discurso político pode ser simplesmente interpretado como um discurso público sobre a coisa pública.

Neste sentido, qualquer forma de expressão que aborde o modo de gestão de instituições públicas, personalidades políticas, os vários poderes do Estado enfim, de questões de interesse público da sociedade é um discurso político. É, portanto, um discurso que atesta a preocupação do homem em relação à administração do bem comum.

Presentemente, de uma forma muito pragmática, alguns pensadores contemporâneos vêem o discurso político como um “discurso de influência produzido num mundo social” e cujo objectivo é “agir sobre o outro para fazê-lo agir, para fazê-lo pensar, para fazê-lo acreditar”.

O discurso aparece então como um local de disputa, de combate entre os cidadãos e o Estado, entre as forças políticas, entre o Estado e as forças políticas. É através dele que os cidadãos tentam definir e redefinir a realidade social e política.

Sabemos que o discurso político é um género muito antigo que surgiu, no Mundo ocidental, na Grécia clássica e que se desenvolveu em Roma com Cícero, numa época em que o discurso público se transformou num instrumento de deliberação e persuasão jurídica e política.

Mas, como género, o discurso político não oferece uma estrutura de construção específica; apenas a sua ligação à realidade, à sociedade que lhe permite que seja levado em consideração como tal.

Contrariamente àquilo que todos acreditamos, a espontaneidade não preside à implantação do discurso político. O segredo da retórica pública actual é baseado em percepções colectivas, clichés, lugares comuns, símbolos e estratégias de captura com o intuito de criar cumplicidade com os interlocutores, ou seja, com o objectivo de aproximar as ideias que possamos ter em comum com as dos seus autores.

Se é muito difícil fazer, quase impossível, a inventariação de todas as características do discurso político actual, não devemos esquecer os seus dois grandes traços que fazem com que tenha êxito nos media e no eleitorado; em primeiro lugar a sua intrínseca teatralidade, ou seja, transformar as ideias numa encenação com vista a um espectáculo e por último o carácter místico do discurso que pretende transformar a realidade num mundo de ilusões.

Nota: Este artigo não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.

Sobre o autor
Consultor de Comunicação

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