Gregório Duvivier presenteou-nos, no final de 2022, com a peça “Sísifo”. Vi-o no Porto, no Teatro Sá da Bandeira, e foi uma noite bem passada, com uma interpretação brilhante do actor brasileiro – e comediante, desempenhando, talvez, a arte mais difícil de representar em palco -, de um monólogo inspirado na mitologia grega.
Sísifo, depois de ter tentado enganar Hades e Hermes, foi castigado a algo pior que a morte: empurrar uma pedra montanha acima, com o único intuito de a ver cair quando chegado ao topo, repetindo o processo, diariamente, até à eternidade. Estava criado o ócio, digo eu.
Duvivier escreveu dezenas de personagens, do nosso quotidiano, que subiam a montanha nas suas actividades diárias. Com piada? Muita. A tocar no ponto certo, das pessoas que vivem da superficialidade, do desejo de reconhecimento, da adopção de tiques societários para ser integrado no grupo, casos que marcaram a agenda política e mediática, temas sobre os quais todos nós deveríamos reflectir.
Mas a peça ganha outro tipo de contorno quando, para lá de meio, o actor chega ao topo pela enésima vez e diz algo como: isto é a metáfora do Brasil dos últimos 4 anos e meio. Depois, ao invés de saltar para a frente, como sempre o fez, desce, desamparado, aos trambolhões, a montanha por onde subiu, num sentido contrário ao de toda a história.
Mas será que foi mesmo ao contrário?!
Deixamos de estar numa peça de teatro e passamos a estar num political statment. Será que ele desceu no sentido contrário ou foi sempre assim, tendo as personagens saído do processo pior do que entraram?
Tudo certo, Gregório Duvivier nunca escondeu o seu apoio a Lula da Silva; além do mais, as eleições já tinham acontecido. Ou seja, era um reafirmar do dia-a-dia do Brasil.
Ontem (8 de janeiro de 2023) percebemos o porquê da preocupação de milhões de brasileiros e da comunidade internacional: um ataque sem precedentes ao Congresso, Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto. Tal deveu-se a, desde meados de 2021, Bolsonaro nos seus directos nas redes sociais ter levantado a suspeita que o sistema eleitoral não seria credível e que em caso de derrota, esta deveria ser protestada. E a relembrar Trump. Falei ontem com brasileiros que moram no Brasil e me disseram que era cópia da América.
Quando temos um país onde a política se vive como uma partida de futebol, com claques dispostas a tudo em prol da sua equipa, está espalhado o querosene, durante mais de um ano, numa floresta já de si bastante seca. Daí para a frente sobraram imensos rastilhos para a atearem.
Foi a não presença de Bolsonaro na tomada de posse, como sinal de respeito pelo resultado eleitoral; foi o discurso de Lula no dia 1, não se referindo como o presidente de todos os brasileiros. Por exemplo.
E porquê Lula?!
Não nos podemos esquecer o porquê de Lula ter sido eleito: por ser o candidato capaz de vencer Bolsonaro. As pessoas não querem Lula, querem um anti-Bolsonaro. Da mesma forma que o Bolsonaro era um eterno desconhecido até se ter transformado em algo que era anti-PT. Ninguém o queria; mas ele era o mal menor. E por aí fora.
Temos aqui o resultado de uma série de más escolhas, de alinhamento pela turma e não pelo alinhamento político e intelectual. Vivemos uma polarização que é contrária ao entendimento que é necessário para que exista “ordem e progresso”.
E agora, Lula?!
A pergunta é lógica porque vivemos num clima de desconfiança sobre o Brasil e os brasileiros, sobre o seu futuro.
Quando Lula, ontem, disse que foram vândalos fascistas e que a esquerda, em momentos de grande revolta, nunca tinha feito nada daquilo; Bolsonaro respondeu com “Contudo, depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra“.
Neste momento precisamos de um discurso apaziguador, da união do povo brasileiro, para que não tenham que ser Sísifo: nem no ócio nem a descer a montanha aos trambolhões no sentido contrário à regra. Quer de Lula quer de Bolsonaro, exige-se que o interesse seja o Brasil e os brasileiros.
O Brasil é um país enorme – 5º maior do mundo em área! – e 7º em população. Tem tudo para ser uma grande potência económica e social, é o motor da pátria da língua portuguesa. Administra a Amazónia. São razões suficientes para que toda a comunidade internacional olhe com preocupação para o que se está a passar no maior país da América do Sul.
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Nota: O autor escreve segundo a antiga ortografia.
Sobre o autor:
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