Revista Rua

2019-06-25T14:08:21+01:00 Cultura, Música

Entre, o disco a solo e ao vivo de Manuel de Oliveira

O guitarrista vimaranense Manuel de Oliveira está em entrevista à RUA.
Fotografia ©Nuno Sampaio
Maria Inês Neto8 Junho, 2019
Entre, o disco a solo e ao vivo de Manuel de Oliveira
O guitarrista vimaranense Manuel de Oliveira está em entrevista à RUA.

O guitarrista Manuel de Oliveira sobe ao palco da sala principal do Theatro Circo, em Braga, no próximo dia 21, para apresentar o mais recente projeto. Entre será um disco gravado ao vivo e a solo, uma intenção que o músico e compositor mantinha há algum tempo. O concerto contará com a participação especial do músico Rão Kyao e da violoncelista Sandra Martins.

É aclamado pela crítica como um dos melhores guitarristas da atualidade. De que forma recebe este reconhecimento?

Eu acho que isso é lisonjeador. Claro que luto para ser melhor todos os dias e melhor do que ontem, não propriamente numa competição, mas fico grato por me reconhecerem.

No seu desenvolvimento foi sempre à procura de influências, da sua identidade musical. A troca de experiências musicais foi importante no seu percurso na música?

Sim. Quando me perguntam quais são as minhas influências eu acho que são mesmo essa mistura, as pessoas que vamos cruzando. Começando pelo meu pai, que era músico e tinha uma essência que é muito própria, assim como uma latinidade. Era muito apaixonado pelo Fado, pelo flamenco, pelas músicas urbanas e através dele conheci todo um mundo de pessoas ligadas à guitarra. Eu sempre fui muito ligado ao meu pai e a dada a altura ele teve de emigrar para a Alemanha e eu fui mais tarde ao encontro dele. Isso foi determinante nas minhas influências, porque sendo uma altura um pouco contraditória para sair da nossa zona de conforto, na adolescência, eu acabei por ter esse ímpeto de ir. Lembro-me de estar a sair de Guimarães e ser uma coisa difícil, mas ao mesmo tempo tinha algo dentro de mim que me puxava para ir. Passei horas a desenvolver-me como guitarrista, a aprender uma série de linguagens diferentes e isso foi criando a minha identidade. E depois há esse lado, que eu gosto muito, enquanto autodidata. Eu acho que o meu desenvolvimento como músico foi sempre através dessas experiências com outros músicos. Procuro, sempre que há um artista a quem eu posso chegar e de quem eu goste da essência ou do tipo de música que faz, desenvolver algum tipo de música com essa pessoa.

O flamenco é um dos principais traços que o caracteriza. Mas qual é afinal a sua identidade musical?

Eu tenho uma forte ligação com o flamenco. O meu guitarrista preferido de sempre foi Paco de Lucía, ouvi-o muito e fui atrás dessa linguagem, embora eu não me considere um guitarrista de flamenco. Acabou por ser uma influência forte em toda esta mistura grande na cor da minha música. O Jorge Pardo, um saxofonista com quem costumo tocar, a propósito de um projeto que temos, o Iberia, diz que: soar a ninguém é muito difícil, sobre o ponto de vista do mercado, porque não encaixar em nenhuma família musical, seja ela Fado, flamenco ou até jazz, é, ao mesmo tempo, o fator diferenciador na música.

O facto de ser um artista muito autodidata leva a que seja um músico mais arriscado?

Eu acho que esse risco está mais associado ao facto de eu ser compositor, porque a composição e criação envolvem, inevitavelmente, esse risco, esse deixar-me levar pelo vazio, pelo silêncio e pelo erro e, na verdade, é aí que nasce a criação.

Tem vindo a desenvolver, em parceria com o Santa Luzia ArtHotel, o projeto Live On Tape. O que nos pode contar sobre esta iniciativa?

O Live On Tape é um projeto muito querido. Recentemente voltei a viver em Guimarães, depois de alguns anos em Lisboa, e a convite do Santa Luzia ArtHotel criei este projeto de residência que convida artistas que estejam numa fase de, por exemplo, finalização de um trabalho a darem um concerto, onde nós tentamos proporcionar algumas condições técnicas e de produção, para depois fazer um audiovisual que oferecemos aos artistas para promoverem a sua carreira. Tem sido muito interessante, até porque já fiz parte de um outro projeto antigo, em Guimarães, no qual fazia também produção e lembro-me que esse contacto com músicos que estão ainda numa fase de crescimento foi muito importante para mim. É sempre gratificante receber novas músicas e projetos e que eu possa de alguma maneira contribuir para isso.

Considera que há espaço e abertura suficiente (em Portugal) para a expressão de novos artistas?

Eu acho que em Portugal, e isso acontece um pouco por toda a Europa, começa a haver uma falta de espaço intermédio. O que atualmente acontece é que há um desenvolvimento muito grande que é feito em casa ou na garagem com os amigos e depois até se começa a tocar em alguns bares, mas depois há um passo enorme até chegar ao mercado dos auditórios. Existe uma falta de Live On Tape e de projetos que deem esse espaço intermédio de exposição aos músicos.

É uma forma de também estar do outro lado da guitarra e poder trabalhar enquanto produtor?

Sim, eu tenho uma paixão pela produção e um percurso grande pela indústria. Às vezes, não é assim tão agradável, porque estarmos focados em determinados aspetos que não aquele que é o musical e o criativo, traz alguma energia que não é a melhor. A indústria está a passar por uma crise muito grande, dadas as alterações do mercado, seja pela Internet ou pelo streaming, que trazem uma realidade que eu prefiro não estar próximo dela, principalmente quando estou em fases de construir projetos. Por outro lado, traz-me uma experiência que é muito valiosa para depois aplicar nos meus projetos. Já na área da produção, eu sou um apaixonado pelo estúdio, pelas ferramentas do áudio e por fazer som, porque adoro a parte da sonoplastia.

O facto de interpretar vários géneros musicais é uma prova de que não existe limite na música, até mesmo numa guitarra?

É curioso, porque eu não concordo com isso, no sentido de achar que sou até muito fechado no que diz respeito à parte da interpretação. De facto, quanto mais passa o tempo em que estou ligado à minha composição, fico cada vez mais preso naquilo que é a minha criação e tenho, por vezes, alguma dificuldade em sair desse espaço. Procuro ter pessoas ao meu lado que me tirem dessa zona e tenho o enorme prazer de estar a trabalhar com um grande produtor e músico, o Hélder Costa, que me tem ajudado nisso. O facto de ter uma experiência na área da produção e ser compositor da minha própria música acaba por ser difícil de me deixar dirigir e sair dessa zona de conforto, daí procurar pessoas que me ajudem e o Hélder tem estado a puxar por mim, o que é maravilhoso.

“Sempre que pego numa guitarra é impossível não me sentir ligado ao meu pai e há aqui uma certa homenagem e uma presença muito forte”

Está neste momento em tour com o disco Entre. O que nos pode contar?

O Entre é um disco que será gravado ao vivo, do qual já existem cerca de três singles: o Caminhos Magnéticos, que faz parte do filme homónimo de Edgar Pêra, que vai estrear muito em breve, o Venham Mais Cinco que foi uma versão que lancei há cerca de um mês e o Elixir da Alma, um single que também faz parte do disco. Mas a ideia do Entre tem a ver com uma vontade que eu tenho há algum tempo de, por um lado, realizar um disco a solo e, por outro, porque é um tipo de composição que não se decide. Não me vou fechar num estúdio durante seis meses a gravar. Foi algo que foi crescendo ao longo dos anos e cheguei a um ponto em que sentia que tinha material suficiente e estava pronto para este disco a solo, que é uma exposição muito importante para um guitarrista e um grande desafio. Tive uma tentativa falhada de o tentar produzir em estúdio, porque quando fui com uma guitarra a solo para dentro do estúdio entrei num processo de perfecionismo e à medida que se ia alterando a música, que é algo difícil de evitar, a essência dessa composição ia-se perdendo. Depois de alguma reflexão, percebi que aquilo que me faltava era a presença das pessoas, daí ter decidido gravar o disco ao vivo. De alguma maneira, este Entre é isso mesmo, o fio condutor que me liga ao público.

É um disco onde pretende homenagear o seu pai e também prestar um tributo à obra de Zeca Afonso. Era importante que assim fosse?

Acabou por surgir, inevitavelmente. Sempre que pego numa guitarra é impossível não me sentir ligado ao meu pai e há aqui uma certa homenagem e uma presença muito forte. Associado à aprendizagem que tive com o meu pai está Zeca Afonso, foi até nesse contexto que surgiu esta versão do Venham Mais Cinco.

No final do mês subirá ao palco do Theatro Circo. O que podemos esperar deste concerto?

Será um concerto em que vou estar completamente entregue, até porque esta composição é de facto uma coisa muito despedida e exige essa mesma entrega. Vou ter a participação de um músico histórico que é o Rão Kyao e da Sandra Martins, uma violoncelista maravilhosa. O violoncelo é, por si só, a seguir à guitarra, o meu instrumento preferido e a Sandra tem um toque muito especial. Aconselho a todos a procurarem conhecê-la, porque é uma artista incrível.

Depois do sucesso do álbum anterior, o que espera para este ano?

Espero percorrer muitos lugares com este projeto, que foi desenhado precisamente para isso. Este formato intimista pode estar num Theatro Circo como também fora dos grandes centros e em lugares mais pequenos. Estou numa fase em que me apetece muito tocar ao vivo.

Será um verdadeiro Live On Tape?

(risos) Sim, será mesmo um Live On Tape!

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