A eleição de Joseph Robinette Biden Jr. para a presidência dos Estados Unidos tem despertado expectativas crescentes no que respeita ao reforço da aliança atlântica. Para muitos europeus a chegada de Joe Biden à Casa Branca – será o mais velho presidente da história dos Estados Unidos quando tomar posse no dia 20 de Janeiro próximo – é uma oportunidade de ouro que não pode ser desperdiçada. Outros, não ocultam mesmo o seu entusiasmo. Que desafios se colocam no curto prazo? Como poderão evoluir as relações transatlânticas? Sem dúvida, um menu considerável. Começaria por assinalar que algum “afastamento” que se verificou entre os dois lados do Atlântico não foi da exclusiva responsabilidade do actual titular do cargo. Diria que os Estados Unidos já tinham perdido algum “contacto” com a Europa na transição pós-Guerra Fria que se seguiu à queda do Muro e à implosão da URSS. Por sua vez, os acontecimentos do 11 de Setembro de 2001 acabariam por acarretar um virar-se para “dentro de si mesmo”. Na minha óptica, a visão e a ideia de sucesso compartilhado foi-se esbatendo dos dois lados do Atlântico, também em resultado dos efeitos multidimensionais da globalização, e, talvez acima de tudo, da alteração do foco estratégico dos Estados Unidos para a Ásia-Pacífico.
Hoje, porém, vive-se já o início de um novo ciclo definido pela ascensão da China, uma realidade que coloca desafios consideráveis ao conjunto dos países democráticos. Com efeito, o formidável dilema de segurança resultante do expansionismo chinês acentua, nesta hora, a importância da comunidade transatlântica. Daí, a pertinência da chamada “armadilha de Tucídides”, cenário que estipula precisamente o grave problema associado à emergência de uma potência que questiona o consenso internacional. Ora, esta mudança não é meramente conjuntural, mas estrutural. Temos, pois, todos os ingredientes das transições hegemónicas, sabendo nós que em doze dos dezasseis cenários históricos analisados pelo professor Graham Allison da universidade de Harvard ocorreram “guerras de hegemonia”, ou seja, em 75% dos casos! Algo que nos deve fazer reflectir.
Noutro plano, não devemos esquecer que ocorreu uma transição geracional. A geração que nos Estados Unidos liderou e apoiou o esforço da NATO já não existe ou está retirada. Também não podemos perder de vista as opiniões maioritariamente desfavoráveis no Congresso dos Estados Unidos com os custos da defesa europeia (os EUA continuam a assegurar cerca de 70% do esforço total da NATO). Nesta medida, é fundamental ter presente a sensibilidade de todas as administrações americanas desde Clinton, sem excepção, que em Washington tocam invariavelmente a mesma tecla: o aumento da comparticipação europeia.
Temos, assim, de assumir as exigências decorrentes de um maior burden-sharing, ou seja, de uma maior partilha de custos. Da minha parte, enquanto cidadão europeu, afigura-se-me fundamental, necessário e, sobretudo, justo! Sabemos que os contribuintes norte-americanos não aceitarão outra forma, pelo que as coisas não mudarão nesta questão concreta com a administração Biden. Falo aqui da necessidade de uma complementaridade de nível superior no seio daquele que continua a ser o mais importante eixo aliado no sistema internacional. Diria mesmo que os membros europeus da NATO devem dar um sinal positivo à futura administração norte-americana. Necessitamos, pois, de reinventar o espaço transatlântico das democracias, crucial para a paz nos tempos que vivemos.
Nota: Este artigo não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.
Sobre o autor:
Professor catedrático (aposent.) da Universidade do Minho. Leccionou nas universidades americanas de Cincinnati, do Estado de Washington (Seattle), e de Johns Hopkins.