Margem
Com um percurso já bem reconhecido no mundo da dança e do teatro, o coreógrafo vimaranense Victor Hugo Pontes tem levado a cena uma peça que questiona o estado dos menores em risco do século XXI. Partindo do romance do escritor brasileiro Jorge Amado, escrito em 1937, Margem é o nome do espetáculo que subiu já ao palco do Theatro Circo e continua em destaque pelo país.
Tudo começou com um pedido de Madalena Wallenstein, coordenadora da Fábrica das Artes do Centro Cultural de Belém: adaptar o famoso romance de Jorge Amado 80 anos depois do seu lançamento. A história de Capitães da Areia trazia um bando de miúdos de rua, crianças e adolescentes, abandonados em São Salvador da Baía. Roubando para comer, dormindo numa espécie de armazém com uma família improvisada, protegendo-se uns aos outros e esperando sobreviver a cada dia que passa, estes Capitães da Areia eram olhados de canto, como lixo da cidade. O ponto de partida de Victor Hugo Pontes foi inspirar-se no romance de modo inquisitório, interrogando-se sobre quem seriam, hoje, esses miúdos à margem. “Oitenta anos depois da publicação do livro, interessa-me sobretudo questionar quem são os novos Capitães da Areia, inspirando-me na realidade social destas crianças, e consciente de que nem sempre há finais felizes”, justifica o coreógrafo. “Quem são estas pessoas que são colocadas à margem, e quando é que essa marginalização começa? Na casa de partida da vida, temos todos as mesmas hipóteses ou alguns partem para a luta já em défice? Há formas de quebrar isso? Quais? Será realmente admirável o mundo novo que conseguimos construir com todos os nossos ideais de igualdade para todos?”, acrescenta.
Com dez miúdos em palco, entre os 14 e os 20 anos, e ainda dois intérpretes profissionais – o ator João Nunes Monteiro e o bailarino André Cabral -, Victor Hugo Pontes lança a questão dos menores em risco atualmente, incluindo, numa ideia de teatro documental que envolveu a escrita de Joana Craveiro, várias temáticas pertinentes: o sexo, o racismo, a revolução e a morte. Num projeto de pesquisa que envolveu relatos de crianças e jovens de duas instituições, a Casa Pia, em Lisboa, e o Instituto Profissional do Terço, no Porto, esta Margem traz a palco a dança e as palavras, muito duras e diretas. “Percebi que eram estas crianças que estariam a viver na rua se não houvesse estas instituições que tomassem conta delas, que as acolhessem e que as encaminhassem na vida futura. Se as instituições não existissem, eles seriam os Capitães da Areia a viver nas ruas em Portugal”, dizia Victor Hugo Pontes por altura da estreia da peça, em janeiro deste ano.
Levantando temáticas como a falta de amor e carinho, esta Margem deixa ainda várias questões no ar, fazendo a plateia pensar na vida destas crianças que não praticaram crime algum – apenas nasceram no lugar errado da margem.
Destaque: “Quem são estas pessoas que são colocadas à margem, e quando é que essa marginalização começa? Na casa de partida da vida, temos todos as mesmas hipóteses ou alguns partem para a luta já em défice? Há formas de quebrar isso?”
Fotografia: Theatro Circo