Revista Rua

2020-04-30T15:12:05+01:00 Cultura, Personalidades, Pintura

Martinho Dias, a arte como motivo de prazer

O pintor é natural da Trofa e nas suas obras retrata realidades abstratas, costumes de uma sociedade cosmopolita, crises mundiais que assombram a modernidade e provocações que são criticamente expostas numa tela em branco.
Fotografia ©Nuno Sampaio
Maria Inês Neto13 Abril, 2020
Martinho Dias, a arte como motivo de prazer
O pintor é natural da Trofa e nas suas obras retrata realidades abstratas, costumes de uma sociedade cosmopolita, crises mundiais que assombram a modernidade e provocações que são criticamente expostas numa tela em branco.

Entramos no imaginário figurativo de Martinho Dias e deparamo-nos com realidades abstratas, costumes de uma sociedade cosmopolita, crises mundiais que assombram a modernidade e provocações que são criticamente expostas numa tela em branco. Há detalhes do quotidiano que nos saltam à vista, em obras que suscitam uma interessante crítica política e social, com o propósito de ir mais além que as bordas de um quadro.

Esta entrevista faz parte da edição #34 da Revista RUA, de dezembro de 2019

Fotografia ©Nuno Sampaio

Natural da Trofa, onde reside e trabalha atualmente, Martinho Dias é um pintor particular. A complexidade e os diversos recursos do mundo global são os seus princípios. Interessam-lhe os comportamentos humanos, as motivações e consequências das ações que demarcam o quotidiano de uma sociedade contemporânea. No grosso das suas obras, há um desdobramento propositado da realidade, individual e coletiva, a qual Martinho Dias procura reconfigurar no branco das suas telas, de uma forma sugestiva, crítica e intencional.

Licenciado em Artes Plásticas, pela Faculdade de Belas Artes, no Porto, Martinho Dias dedicou parte da sua vida a lecionar Artes Visuais e a ilustrar livros de literatura infantojuvenil. Embora fosse algo que lhe dava um vasto prazer, a sua vida profissional seguiu outro caminho: a pintura. Ao som de um dos inúmeros CDs que preenchem a sua sala, sentámo-nos à conversa, na ânsia de entrarmos no seu mundo figurativo e abstrato, que nos transporta para além da própria pintura.

“Gosto que a arte seja motivo de prazer para os olhos”

A nossa conversa começa com uma viagem ao passado, ao início deste percurso pela arte, com o intuito de conhecermos a razão pela qual há uma década ter deixado de lecionar para se dedicar unicamente à pintura. “A escola ou a sua função ficava quase para segundo plano. Paralelamente, começava a procurar outros trabalhos, fui filtrando as coisas e estava a querer mais a pintura, pelo que começou a ser difícil conciliar as duas coisas”, conta-nos Martinho Dias. Define a sua arte como uma procura de a tornar num motivo de prazer para quem a vê, ao mesmo tempo que esta instiga, revolta ou questiona. Que seja a causa de um comportamento, que incentive as pessoas a pensar sobre o que estão a ver à sua frente e não se deixarem ficar pela observação. Como Martinho Dias refere: “A arte não tem de ser isto, mas eu gosto que seja motivo de prazer para os olhos, porque eles vão comunicar com algo do nosso interior”. Ser o ponto de partida para uma conversa é a sua intenção, enquanto artista, assim como lhe interessa sentir que consegue dar alguma autonomia à sua obra, para que ela diga algo e se deixe ser comentada. “A obra não vai sofrer mudança nenhuma, mas se provocar alguma alteração em quem a vê é ótimo. Quer dizer que vai despertar uma pergunta, uma reação, um comentário e significa que foi capaz de fazer alguma coisa, não foi apenas uma peça decorativa e ignorada”, comenta.

“Eu não pinto para ter os quadros encostados à parede, interessa-me pô-los em circulação. Se me perguntarem se estou no sítio certo ou no patamar que queria, se calhar até estou acima do que desejava há uns tempos”

Quando questionado se a arte poderia ser vista como um veículo para a mudança ou um caminho para que possamos interpretar a realidade de uma outra forma, ao passo que nos impulsiona a favor de uma sociedade proveitosamente mais crítica, Martinho é muito direto: “Não temos de esperar que a arte faça alguma coisa nem que a arte mude o mundo. É um veículo, sim, como muitos outros. Se considerarmos a arte no seu todo, pode levar a questionar e temos imensos exemplos na História em que a arte provocou reações violentas (e continua a provocar). Às vezes, significa dar cinco passos à frente para depois dar dois atrás, mas quer dizer que andamos três passos adiante. A arte pode fazer muitas coisas e pode levar as pessoas a reagir, sem ser obrigada a isso”.

No espectro das suas obras, algumas expressam ruído, melodias ou conversas. Há um excesso de movimentação e um paradoxo de coisas a acontecerem em simultâneo, mas que solidificam uma sinergia da qual Martinho caracteriza como uma “partitura com uma notação convencional”. O que diriam as suas obras, se estas gritassem? “Acho que algumas iam fazer muito barulho, outras iam ter sons agradáveis e melódicos. Iríamos ter uma junção de ruído com melodia e isso é perfeitamente possível, até porque seria demasiado entediante ter tudo excessivamente melodioso”, responde-nos Martinho. A sua obra, conceptual e figurativa, demarca uma certa ironia e propõe uma interessante crítica política, que vai de encontro ao seu interesse por articular padrões coletivos com espontaneidade individual, sem se tornar numa arte retórica nem moralista – que não é o seu propósito.

Fotografia ©Nuno Sampaio

Dentro da normalidade que dita uma rotina, Martinho Dias garante que não procura trabalhar em demasia para tornar as coisas visíveis, mas antes que acrescentem algum reconhecimento à sua obra. “Eu não pinto para ter os quadros encostados à parede, interessa-me pô-los em circulação. Se me perguntarem se estou no sítio certo ou no patamar que queria, se calhar até estou acima do que desejava há uns tempos. Sinto que há uma progressão e vitalidade, que também é importante”, confessa. Experimentar outros estilos e explorar outras formas de arte, como a escultura ou os métodos da instalação, são oportunidades que Martinho acredita que surgirão espontaneamente. No fundo, como nos conta, é tudo uma questão de “conseguirmos ser diferentes no meio de um todo”. Este é o segredo que pinta a sua tela.

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