Editado pela Alfaguara, Maus Hábitos de Alana S. Portero, conta a história de uma menina, de ninfas, musas, homens-dragão, mulheres-mãe, luz e sombra.
Levemente baseado na história pessoal da autora, Maus Hábitos deveria tornar-se num belo costume de leitura. Situando-se nos bairros operários na periferia de uma Madrid pós-Franquista, o romance cresce numa sensibilidade gritante, apesar da presença, mais ou menos diretas, de violência e ostracismo.
Que privilégio é nascer-se num corpo certo, sem estereótipos associados. Principalmente quando se nasce menina e eleva-se a mulher feita, decidida, que pode estar presente no mundo antes exclusivo a homens. Mas este livro conta o exato oposto, o ser-se menina, adolescente e mulher, num corpo errado. E a tradicional masculinidade que se espera de todos de todos os que nascem rapazes.
Sem nunca faltar amor à protagonista, a sua família não tem o poder da partilha de sentimentos. Ou melhor, tem-lo à sua maneira um pouco mais brusca. Ciente que é “diferente” do filho que deveria ser, nunca soube também partilhar essa dor e ânsia ao longo do crescimento. E a procura por símbolos canónicos em artistas, músicas, cantores e cantoras, era um escape religioso, mas nunca profano, para essa libertação. O conhecimento de uma cidade underground, à margem, garante-lhe também outra visão e sensações, aliando-se a um movimento transgénero, onde a sororidade feminina é única.
Numa Madrid que, tal como em várias cidades em Portugal, se vai descaracterizando e sofrendo com a gentrificação, o passado continua presente e os olhares de escárnio e desprezo mantêm-se sempre iguais. Talvez haja maior aceitação e, por resultado, a normalização de algo que nem necessitava ser designado como “novo normal”. Somos o que somos, somos o que fazemos e somos as nossas escolhas.
Com o crescimento das cidades de periferia, o conceito de bairro, de cuidado entre a comunidade, vai-se perdendo, deixando à vista os que resistem, e os que perecem. Mas é nesse confronto e conforto que a protagonista ganha asas e também ela se aceita tal como é.
Com uma banda sonora explícita nas linhas da narrativa, Maus Hábitos deixa ainda ao leitor um QR Code com acesso a uma panóplia sonora com a qual a autora, e toda uma geração de Espanha (e não só), se pode identificar.
Mais informações: Maus Hábitos – Alana S. Portero – Alfaguara (Penguin)