Revista Rua

2024-07-12T20:15:36+01:00 Cultura, Literatura

No livro Cadente, Mário Rufino transporta o leitor para a realidade da doença de Alzheimer

Como resgatar a vida, quando a memória dos outros se desvanece?
Cláudia Paiva Silva12 Julho, 2024

No livro Cadente, Mário Rufino transporta o leitor para a realidade da doença de Alzheimer

Como resgatar a vida, quando a memória dos outros se desvanece?

Num misto de realidade, vivida pelo autor, e a ficção, Cadente é o que sobra de cada um de nós, à medida que o tempo passa. A perda das memórias mais antigas, o resgate do essencial, as listas dos afazeres, da medicação, do supermercado, o esquecimento das chaves de casa (onde é que as enfiei?), são parte de um “processo”. Mas em “Cadente” este processo é feito de forma mais acelerada, por uma avó que soube amar um neto, que não se sabe amar a si mesmo.

É a premissa – um neto, cujo abandono do pai e, consequente, da mãe, vai morar (viver) com uma avó. Uma avó que, por sua vez, tinha as suas memórias, duma época onde a Ditadura reinava, e, com a qual, era pactuante, mesmo sem o saber. Uma forma de viver diferente e que a leva a preconceitos infundados contra vizinhos, contra outras gentes, que ela não reconhecia. Não pela doença, então, mas por não querer conhecer.

Um dia, o “processo” ganha maior dimensão, tornando a vida do neto numa espiral de receios e de egoísmos, de medo e de redenção. De resto, o que poderia sobrar de uma relação feita de silêncios, na qual apenas a figura de um pai ausente, parecia caber? Para uma mãe, um homem que partiu para o trabalho fora do país que tinha tanto de promessa como de bafiento. Para um filho, um homem que nunca chegou a conhecer – e possivelmente nunca conhecerá, agora que o elo se quebrou definitivamente. E o que sobra dos dois, senão a memória do que foi e não volta a ser?

Mário Rufino explora essa linha fina entre avó e neto, e mais tarde, entre neto e avó, colocando a memória como chave principal. O papel do homem, enquanto figura masculina e de cuidador, e o papel da avó, estrela cadente como todos os outros, na medida que a memória se desvanece entre a confusão dos dias, dos acontecimentos e dos locais. Uma perceção da doença de Alzheimer que altera o mundo do doente e dos seus mais próximos.

Um livro magnífico, Cadente tem edição da Quetzal.

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