Revista Rua

2019-09-18T15:19:06+01:00 Gastronomia, Sabores

Nutrição com Mariana Abecasis

“A educação alimentar deve basear-se muito no ‘faz o que digo e faz o que eu faço’”
Redação3 Maio, 2018
Nutrição com Mariana Abecasis
“A educação alimentar deve basear-se muito no ‘faz o que digo e faz o que eu faço’”

Mariana Abecasis é licenciada em Ciências da Nutrição pelo Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz e Mestrada em Nutrição pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, onde desenvolveu a sua tese na área da nutrição na gravidez e pós-parto, uma das suas principais áreas de atuação atualmente. Autora de três livros, A Dieta Perfeita, As Receitas da Dieta Perfeita e mais recentemente Vamos conhecer os alimentos, um livro dedicado aos mais novos, Mariana Abecasis está na RUA para deixar as suas dicas sobre nutrição para pais e filhos.

Gostaríamos de conhecer um pouco sobre o seu ponto de vista relativamente à nutrição e à alimentação saudável. Qual é o seu lema de atuação?

Não me considero nada radical nem fundamentalista no que toca à nutrição e alimentação. Mais do que procurar o perfeito, procuro encontrar o equilíbrio de cada paciente. Claro que tenho a “minha linha” condutora, mas todos os meus planos são personalizados e adaptados o mais possível a cada paciente, à sua saúde, ao seu objetivo e ao seu bem-estar. Acredito que uma alimentação saudável, se não for acompanhada com bem-estar emocional e psicológico, deixa de ser tão saudável assim! Tão importante como o bem-estar físico, e um peso saudável, é o bem-estar psicológico e a forma como nos sentimos. Corpo são em mente sã!

Uma das áreas de atuação da Mariana é o acompanhamento na gravidez. Quais são aqui as principais diretrizes?

Fiz a minha tese de mestrado na área da nutrição na gravidez e importância da recuperação no pós-parto, portanto, o acompanhamento nutricional na gravidez é uma área pela qual tenho especial carinho.
Tento explicar a cada futura mãe que, mais do que comer por dois, é uma fase de grande responsabilidade em que acima de tudo “devem ser saudáveis por dois”. O correto aumento de peso, o equilíbrio nutricional, o correto aporte dos nutrientes tem um impacto enorme na mãe, mas mais ainda no bebé. Daí ser uma fase tão importante da vida. Mais importante do que quantidade (que não está muito aumentada nesta fase, ao contrário do que se pensa) é a qualidade daquilo que comemos.

Uma das principais preocupações dos pais relativamente aos seus filhos é a nutrição. Qual é a visão da Mariana relativamente à alimentação infantil? Que cuidados básicos devem ter os pais?

Considero que ter uma alimentação familiar equilibrada é fundamental na educação de uma criança. Claro que cada um de nós nasce geneticamente com os seus próprios gostos e preferências, mas considero que acima da carga genética, os hábitos alimentares que são incutidos desde pequenos são o fator com maior impacto na vida alimentar de uma pessoa. A alimentação é uma componente da educação que os pais passam para os filhos e as crianças aprendem fundamentalmente pelo exemplo do que veem. Por isso, os pais dizerem aos filhos para fazerem algo “porque é correto” e eles próprios não fazerem é contraditório e não é educativo! De nada serve um pai dizer a um filho que não é correto dizer palavrões, quando depois o pai usa essa linguagem em casa. Com a alimentação passa-se o mesmo. Por isso, a educação alimentar deve basear-se muito no ‘faz o que digo e faz o que eu faço’.

Em consulta, vejo grandes contradições no que toca a alimentação infantil. Por um lado, há uma preocupação em dar opções saudáveis aos filhos, mas paralelamente há uma tendência de comprar e ter disponível aquilo que as crianças “mais gostam”. Não faz sentido dizer a uma criança que não deve comer bolachas e bolos diariamente, quando depois esses alimentos estão disponíveis em casa.

O açúcar simples e os produtos açucarados não fazem falta e não devem fazer parte da alimentação do dia a dia normal, independentemente da idade e do peso da pessoa.

A questão dos açúcares é aqui muito importante. Quais são as dicas da Mariana para os pais?

O açúcar simples e os produtos açucarados não fazem falta e não devem fazer parte da alimentação do dia a dia normal, independentemente da idade e do peso da pessoa. Por isso, primeiro de tudo, devemos evitar comprar para casa esse género de produtos. Claro que vivemos numa sociedade em que excluir completamente é difícil e pode ser até contraproducente, mas há que perceber que estes produtos devem ser a exceção e não a regra da alimentação. Assim, em vez de snacks mais açucarados, os pais devem ter em casa opções mais saudáveis para as crianças (e eles próprios) comerem entre as refeições.

O que sugere para o pequeno-almoço de uma criança? Sabemos que os cereais de pequeno-almoço podem ser um exagero a nível de açúcar. Que cereais devemos escolher para os nossos filhos?

Sim, os cereais e vários outros produtos acabam por ser bombinhas de açúcar disfarçado! Por isso, na hora de escolher temos que estar atentos. A forma mais simples de percebermos se um produto tem muito açúcar de adição é através da leitura dos rótulos. Em vez da tabela nutricional, que muitas vezes é confusa, sugiro que se leia a lista dos ingredientes. Esta lista é obrigatória no produto e vem sempre organizada desde o ingrediente que está presente em maior quantidade até ao que está presente em menor. Assim, se dentro dos três primeiros ingredientes aparecer açúcar (ou equivalente: sacarose, glicose, xarope de glicose…) significa que o produto é bastante açucarado e deve ser evitado.

De cereais de pequeno-almoço geralmente aconselho o mais simples e menos processado. Boas opções são os flocos de aveia ao natural, os weetabix ou arroz puff sem adição de açúcar.

E para o lanche das crianças, o que sugere?

Os lanches sugeridos podem depender um bocadinho se a criança tem excesso de peso ou não. Mas privilegio sempre o mais natural: fruta fresca, iogurtes sem adição de açúcar, pão na dose certa, queijo fresco ou bolinhas de queijo magro, ovo cozido, palitos de cenoura…

Mas, tão importante como dar a indicação do que comer nos lanches, é como distribuí-los ao longo do dia. Vejo muitas vezes que as crianças levam os snacks para a escola e acabam por comer tudo de uma vez só, não fazendo um correto fracionamento diário. Paralelamente, procuro dar sempre alguma alternativa de doce saudável. Não nos podemos esquecer que vivemos numa sociedade açucarada e que estamos a ser bombardeados constantemente com estímulos que apelam ao consumo – pela publicidade, nos supermercados, através da alimentação de outras crianças… Assim, torna-se mais fácil a adesão ao plano sem a sensação de restrição.

A nível de sobremesas, que por norma fazem as delícias das crianças, quais são as suas dicas?

Em dias de festa, faz parte comer uma “sobremesa de verdade”! Para o dia a dia normal, procuro dar soluções de sobremesas mais nutritivas e menos açucaradas.

Ficam três sugestões:

Panqueca de banana – 1 ovo, 1 banana pequena e canela – triturar e fazer na frigideira;

Muffins de maçã – 4 ovos, 1 iogurte natural, 2 maçãs reinetas pequenas, canela – bater os ovos, com iogurte e canela e juntar a maçã partida em pequenos cubinhos. Levar ao forno em forminhas de queque de silicone;

Mousse de frutos silvestres – 3 claras de ovo, frutos silvestres – bater bem as claras em castelo. À parte triturar os frutos silvestres. Depois envolver as claras com os frutos batidos e levar ao frigorífico uma hora.

A Mariana assinou mais um livro, desta vez chamado Vamos conhecer os alimentos, dedicado aos mais novos. Quer apresentar-nos este livro e qual é a sua importância?

A ideia do livro Vamos conhecer os alimentos surgiu por perceber que com a industrialização, muitas vezes, não percebemos de onde vêm os alimentos que vemos no prato ou que estão em embalagens no supermercado. É como que uma enciclopédia em que falamos das origens, dos alimentos no seu estado natural e das matérias-primas que dão aos alimentos que comemos. É uma forma de voltar às origens e apelar ao natural. É uma forma de perceber o que são os alimentos, o que contém e qual o seu papel no nosso organismo.

Este livro foi uma forma de chegar às crianças, mas também uma forma de chegar aos pais, através delas. Se as crianças perceberem a importância da alimentação saudável, vão elas mesmas querer “impor” isso aos pais e em casa.

As crianças são um público muito suscetível à aprendizagem e estão formatados para seguir e comportarem-se segundo o que é correto! Assim, se eles perceberem a importância de uma alimentação saudável desde pequenos, vão querer “seguir essas regras” e isso poderá ter impacto no seu futuro, bem como nas gerações futuras.

Como o livro é dedicado aos mais novos, a ilustração foi cuidadosamente escolhida e está repleto de curiosidades para aguçar o seu interesse.

Em dias de festa, faz parte comer uma “sobremesa de verdade”! Para o dia a dia normal, procuro dar soluções de sobremesas mais nutritivas e menos açucaradas

Estivemos a falar das necessidades dos filhos e os cuidados alimentares que os pais devem ter com eles, mas importa também não esquecer que os pais também precisam de se alimentar. Quais são as principais indicações que a Mariana sugere para os pais?

Tal como disse anteriormente, o mais importante é adotar um estilo alimentar familiar saudável! Claro que cada membro da família tem as suas particularidades e necessidades específicas, mas toda a família sai a ganhar por ter uma vida alimentar saudável. Assim, em vez de fazer um prato ou um tipo de alimentação diferente para cada um, é importante uma organização que permita que toda a família consiga comer corretamente. E isto passa muito pela organização e planeamento. Regras como ter sempre sopa em casa para toda a família, ter fruta fresca, ter opções de snack saudáveis para pais e filhos e, em vez de comida pré-confecionada, optar por pratos simples que não despendam de muito tempo de confeção são boas práticas familiares.

Alimentação saudável é o ponto de partida para uma vida inteiramente mais saudável. A Mariana considera que nós portugueses comemos bem?

Felizmente, acho que nos dias de hoje cada vez mais se verifica uma preocupação com a alimentação e esta começa a ser vista como uma forma de saúde e de qualidade de vida. A mentalidade, no que toca a nutrição, está a mudar e esta é uma preocupação mais presente nos dias de hoje. Claro que ainda há muitos excessos e um apelo forte por parte da indústria e da sociedade ao consumo excessivo – ao consumo de alimentos pobres nutricionalmente e ricos em calorias. Mas se formos olhar para as nossas origens, Portugal tem uma história alimentar muito rica nutricionalmente. Temos peixe e pescado maravilhoso e ainda uma base de agricultura que nos permite comer boas frutas e legumes. Com as devidas atualizações, é importante voltarmos às origens – e mais do que aderir a modas – voltar a ter uma alimentação mais baseada em alimentos de verdade.

Partilhar Artigo: