Revista Rua

2020-11-18T18:04:34+00:00 Opinião

O factor identitário, migrações e a economia da UE

Política Internacional
Luís Lobo-Fernandes
18 Novembro, 2020
O factor identitário, migrações e a economia da UE

Uma das ironias formidáveis das migrações em direcção à Europa é a de que elas são, em grande medida, uma demonstração virtuosa do poder de atracção da União Europeia! Há, contudo, outra dimensão que enunciaríamos como um problema essencialmente político que tem a ver com os índices de crescimento económico sofríveis na UE coincidentes temporalmente com a entrada do euro em 1999 (só começaria a circular em Janeiro de 2002), e com a abertura abrupta do comércio mundial ao colosso chinês, processo que ocorreu sem qualquer gradualismo, e que no respeitante a Portugal foi particularmente desfavorável. Tenhamos consciência disso!

Mas, é imperioso deixar aqui um alerta para as responsabilidades da política monetária europeia excessivamente restritiva, ao contrário das opções dos Estados Unidos ou da China. Tal política, muito penalizante, é contraditória com a opção destes grandes «players» no quadro da economia global que não leva em linha de conta a desindustrialização que ocorreu em muitos países europeus. É claro que quem diz transferência brutal de produção para o Oriente, diz transferência de riqueza, de capitais e de emprego! Note-se, porém, que a Alemanha não permitiu a perda da sua base industrial, e isso talvez explique a sua extrema relutância em implementar políticas de «quantitative easing» ao nível do euro – isto é, de maior liquidez – que funcionariam, digamos, como políticas de substituição, pelo menos em parte, dos efeitos da desindustrialização. A Alemanha, ao invés de outros Estados-membros, «não vê» essa necessidade.

O despertar das questões identitárias na Europa terá, assim, muito a ver com o iniludível sentimento de insegurança económica, resultado da perda da base industrial em muitos países. Enquanto os indicadores económicos anémicos perdurarem, combinados com pressões (i)migratórias significativas, vamos continuar a ter problemas de cariz identitário, que exprimem por um lado essa insegurança económica, e por outro são exploradas eficazmente por alguns sectores como expediente político privilegiado. É certo que existem outras dimensões de carácter cultural e sociológico, mas diríamos que enquanto não formos capazes de aumentar o «bolo» a distribuir vamos continuar a ter sobressaltos e crises deste tipo, com manifestações populistas de vários matizes.

No presente contexto de colapso e de crescente incerteza provocado pela pandemia de Covid-19, torna-se, pois, fundamental recuperar o conjunto do tecido económico, combinando inovação, digitalização e criação de novos segmentos de oferta. E, sobretudo, imaginação! Um sector, em especial, que nos vem à mente no caso particular de Portugal prende-se com a importância estratégica da economia do mar e dos oceanos onde se impõe uma aposta séria, consistente e de longo prazo. Existe demasiada retórica, muitos «chavões» e quase nenhumas realizações. De que estamos à espera?

Nota: Este artigo não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.

Sobre o autor:

Professor catedrático (aposent.) da Universidade do Minho. Leccionou nas universidades americanas de Cincinnati, do Estado de Washington (Seattle), e de Johns Hopkins.

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