Revista Rua

2020-03-11T11:42:07+00:00 Opinião

.o lugar da mulher.

A Civilização do Espectáculo
Cátia Faísco
11 Março, 2020
.o lugar da mulher.

Ir ao teatro não é apenas sentar-me na plateia e deixar que o tempo passe. Não é apenas lazer, não é apenas trabalho. É também estar atenta a tudo o que me rodeia e perceber o porquê daquilo que me incomoda. Ora, há umas semanas fui ver um espectáculo que, ao contrário do que esperava, me alertou para a presença da mulher em cena. E, claro, esta observação foi feita em oposição à do homem.

Em palco, várias mulheres de saltos altos, com vestidos justos, ou transparências, ou nuas, ou qualquer outro elemento ou gesto que reforçasse (ou acentuasse) mais a sua figura e o poder do seu corpo. Durante algum tempo, limitei-me a observar, mas, a certa altura, começou verdadeiramente a incomodar-me o modo como a mulher estava, a meu ver, a ser objectificada em palco. De repente, parecia que as mulheres só estavam ali para dar alguma cor ao espectáculo. Pensei nas minhas alunas, pensei nas minhas amigas e em todas as outras mulheres que trabalham ou querem trabalhar em teatro, e em como a Santa Contemporaneidade, que traz tanta mudança, continua a esconder outras tantas coisas de um modo disfarçado.

Tenho-me questionado muito acerca do papel da mulher no teatro. Sei que é uma questão muito genérica e que pode abranger inúmeras ramificações, mas há alguns pontos que me parecem centrais e que têm ocupado mais espaço de antena.

Na maioria das escolas de teatro, o número de mulheres sobrepõe-se ao número de homens. É um facto. Essas alunas (e sim, generalizo), futuras profissionais, chegam com modelos masculinos no plano do ‘este é quem eu quero ser quando for grande’. Ora, não estamos aqui a falar do trabalho ser mais ou menos importante do que o das mulheres ou do peso artístico que cada um terá. Só que, na verdade, muitas dessas alunas nem sequer almejam a ser encenadoras, como se esse lugar fosse algo muito distante e só pertencente ao domínio masculino. As mulheres são as atrizes, as professoras, as investigadoras, as figurinistas e todas as outras profissões ainda muito associadas ao universo feminino.

Discutia-se há uns tempos, em contexto de uma conferência, em Lisboa, que, por exemplo, as mulheres que trabalhavam nas áreas mais técnicas (luz e som) eram convidadas mais vezes para falar do seu lugar enquanto mulher do que mais especificamente para falar do seu trabalho. Ora, nem oito, nem oitenta. Quando é que um homem é convidado por causa de ser homem na área, por exemplo, de figurinos?

Parece quase proibido falar acerca desta temática porque ‘estamos sempre a falar do mesmo’. Mas se não falarmos será que alguma coisa muda? Das mulheres espera-se o silêncio?

Dou muita importância às palavras e ao modo como surgem no discurso. E quando decido escrever um título assim, sei, automaticamente, que me estou a posicionar, sei que estou a questionar o meu lugar e o dos outros. Também sei que faço deliberadamente uma divisão entre os géneros e que esse facto pode levar-me para outro campo. Mas, sejamos honestos, será que temos sempre de ficar calados a assistir a generalizações e, sobretudo, a diferenciações?

Nota: Este artigo não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.

Sobre o autor
Dramaturga, professora, investigadora, yogui.

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