Há anos, numa conferência sobre desporto, fui convidado a participar num painel. Já não sei ao certo o tema, mas recordo-mo da primeira pergunta, retórica, do moderador: “O que mais gosta de fazer é competir?!”. Respondi a medo que sim, mas o que mais gosto de fazer é conhecer pessoas. Por isso, viajo.
Porque viajas? Ou, acrescentando, como pergunta Pedro Gil de Vasconcelos no seu filme “O meu Caminho”: “Porque viajas, peregrino?”.
Acredito que somos todos peregrinos, que viajamos para nos tornarmos pessoas melhores. Viajamos pela religião, pela alma, pela gastronomia, pela música, pela paisagem, pela natureza, pela arte, pela aventura, etc. Mas, no fundo, essas são formas que cada um encontra para se encontrar e tornar numa pessoa melhor.
Revejo-me e sei que hoje sou melhor pessoa do que era antes de ter começado a viajar. Não quero com isto dizer que sou melhor do que alguém, mas sei que sou melhor do que eu era: estou mais atento ao cosmo e aos seus detalhes; o pathos, o ethos e o logos. Ouço mais, vejo melhor e tento compreender os dois lados da história.
“Porque viajas, peregrino?”
Há dias estive em Sta. Maria, nos Açores. Fiquei apaixonado pela ilha graças ao documentário “Ilha de Gigantes”, do Nuno Sá e Nuno Fontes, onde, depois de ter sido a primeira ilha a ser descoberta pelos portugueses, hoje seria o porto seguro do tubarão-baleia.
O azul profundo do alto mar, o maior peixe do mundo, mantas, golfinhos, tartarugas, atuns, lírios, merus, moreias. Uma infinidade de fauna que se revelou mágica. Cascatas de água a caírem no mar, um rochedo verde pré-diluviano que se ergue no meio do Atlântico, para nos dar vida.
Fui a Sta. Maria, apaixonado pelas imagens do documentário, porque em contacto com a natureza quero-me tornar numa pessoa melhor. E não estava sozinho nessa viagem.
No barco, além de mim, o Mestre e Guia de Mergulho foi o Filipe Silva: uma vida cheia de estórias, com África no coração e o amor ao mar; 4 piratas das Canárias, mergulhadores experimentados e com uma versão da história que Castela não aprovaria; uma americana estrela da Marvel, um simpatiquíssimo israelita, mergulhador de todos os mares, que escolheu S.Miguel para viver e, por fim, uma francesa radicada nos Açores e que vive do mar.
O que nos unia? O mar, esse mistério que serve de ponto de equilíbrio ao nosso ser: o Everest tem 8.848 metros de altura enquanto que a Fossa das Marianas chega aos 10.984 metros de profundidade. O nível do mar é um espelho entre duas realidades e, quando começamos a mergulhar, é como se víssemos um novo mundo a partir de cima, do pico das suas montanhas. Cada montanha é um núcleo de biodiversidade, e constatamos isso em terra e no mar, apenas diferindo o meio.
Por isso, as mantas que apareceram na Baixa do Ambrósio se pareciam com aves que planavam ao sabor do vento ou o tubarão-martelo, solitário nas Formigas, uma ave de rapina. As moreias escondidas em buracos, como cobras, ou o rocaz, camuflado no fundo do mar, espécie de escorpião que ergue os espinhos quando nos aproximamos.
“Porque viajas, peregrino?”.
Para religar o mundo.
Nota: O autor escreve segundo a antiga ortografia.
Sobre o autor:
Consultor de marketing e comunicação, piloto de automóveis, aventureiro, rendido à vida. Pode encontrar-me no mundo, ou no rebelomartinsaventura.blogspot.com ou ainda em instagram.com/rebelomartins. Seja bem-vindo!