
De 24 de maio a 22 de dezembro, no Museu da Cidade de Lisboa, Palácio Pimenta, ocorre a exposição Convivências – Lisboa Plural, um reconhecimento da cidade às muitas culturas que nela habitaram e que a ajudaram a construir.
De 1147 a 1910, entre o período da sua conquista aos Mouros pelas legiões de D. Afonso Henriques até à Instauração da República, Lisboa transformou-se. De menina, passou a moça, passou a Mulher.
Viu-se imunda, em casas medievais sem organização, nos bairros que hoje são tão procurados e típicos, viu-se a crescer para os arrabaldes, as periferias que começavam para os lados das (hoje em dia) Avenidas Novas, Benfica, Lumiar e Marvila, enriqueceu com palacetes e quintas, palácios enormes construídos de acordo com a visão de um D. João V, Rei-Sol, magnânimo, tanto crente como visionário, enriqueceu com o ouro do Brasil, diamantes e pedras preciosas, cravinho, pimenta-do-reino, canela que enlevavam os olfatos e as almas.
Mas também se viu frente a frente com a morte, em autos-de-fé por diferentes acreditares, ritos e rituais, por queixas infundadas, sem sentido, por aspirações que nos tornaram maiores, Descobridores de além-mar, que também ceifaram milhões de vidas. Morte por doenças da época, a Peste e a fome que proliferaram. Viu-se destruída, por várias vezes, em terramotos e maremotos consequentes, incêndios vários que reduziram a cinza tudo por onde passavam.

Contudo, mais do que o mau, é o Bom e a Vida que contam – em séculos de História, Lisboa conheceu gentes de várias proveniências, desde os seus antepassados, aos que fizeram hoje o que agora somos, e naquilo que se tornou: cosmopolita, moderna, enriquecedora e multi-cultural. Renascida dos terrores de outros tempos, foi palco de entrada e saída de várias pessoas, raças, religiões.
Na exposição agora patente no Museu da Cidade, em Lisboa, é possível conhecer um pouco mais dessa realidade, qual a fundamental importância que todos estes visitantes, desde escravos, elementos da corte, mercadores, marinheiros ou cientistas em maior ou menor número, tiveram na capital e de que forma contribuíram para o seu crescimento e evolução. No âmbito da pluralidade, não parece ser de todo apenas coincidência que, aos dias de hoje, várias zonas urbanas são associadas às diversas comunidades estrangeiras que nelas habitam, desde a Mouraria até ao Intendente – quiçá a reminiscência do passado que na verdade nunca foi esquecido.
Comissariada por Ana Paula Antunes e Paulo Almeida Fernandes, a mostra de alguns artefactos encontrados nas inúmeras escavações arqueológicas de Lisboa, como várias placas de origem árabe e hebraicas conferem a importância que ambas minorias religiosas, após a reconquista, tiveram em termos hierárquicos sociais, permitindo uma organização política, não obstante a presença posterior da Santa Inquisição, e a ordem de expulsão decretada por D. Manuel I em dezembro de 1496. Os vários estudos realizados permitiram ainda gerar maquetas para alguns dos espaços mais emblemáticos da cidade, mencionados em textos da época, mas anteriores à destruição do Terramoto de 1755, como por exemplo o “Pateo das Arcas”, um dos primeiros teatros lisboetas, que estaria localizado na agora Rua da Prata.

Tal como ocorrido no âmbito da exposição Lisboa: Cidade Global, no Museu Nacional de Arte Antiga (2017), também aqui se podem observar alguns exemplares de pinturas e desenhos que retratam o quotidiano citadino e caracterizam nomeadamente a forte presença de escravos pelas ruas da cidade medieval. É importante referir, que à semelhança da importância da diáspora da cultura africana no Brasil, da qual Portugal é responsável (estima-se que tenham sido traficados cerca de 13 milhões de escravos), em Portugal, já próximo dos séculos XVIII e XIX, a sua influência era bastante elevada uma vez que a população africana era, já na altura, crescente. Uma das figuras destacadas neste pluralismo, e cujo busto realizado por Rafael Bordalo Pinheiro encontra-se na exposição, remete-nos para “Pae Paulino”, tendo sido condecorado pelo destaque no exército liberal, como também por ter sido um dos líderes de várias irmandades de negros, apelando à libertação de escravos.
“A exposição mostra-nos provas dessa Lisboa multicultural, feita por muçulmanos, cristãos e judeus, mas também por espanhóis, franceses, ingleses, italianos, flamengos, alemães e galegos e pelos africanos da era da escravatura; é mesmo possível falar numa Lisboa africana, paulatinamente mestiça, que caracterizou a cidade, entre os séculos XV e XIX.
Das grandes construções à vivência quotidiana, dos ofícios especializados à definição de bairros, da promoção de obras de arte à atividade livreira, da ocupação e da guerra, ao comércio e à paz cemiterial, não houve praticamente dimensão da existência de Lisboa da qual as comunidades religiosas minoritárias e estrangeiras residentes estivessem ausentes”.
Uma exposição para todos, e para que todos não se possam esquecer, patente até dezembro 2019.

Paralelamente a esta iniciativa, encontrando-se patente até outubro, também em Lisboa, pode ser vista a exposição O Lugar do Torreão.
Passando pelo passado, presente e futuro do edifício histórico, a exposição O Lugar do Torreão conta na realidade parte significativa da história da cidade, ao mesmo tempo que mostra ao público a evolução do espaço roubado ao Tejo, desde o século XVI. Desde a sua origem por ordem de D. Manuel, através da construção de um novo palácio real, roubado parcialmente a terreno do rio, passando por Filipe II de Espanha que o reabilitou, transformando-se o complexo num espaço destacado na zona ribeirinha, e sendo novamente recuperado já em 1640, passando a ser usado pela família real, conta também o seu desaparecimento parcial com o terramoto de 1755 e de que forma a reconstrução da cidade no terreiro aberto frente ao Tejo, duplicou depois a sua existência nos extremos da praça comercial pela cabeça e génios dos arquitetos e engenheiros do Marquês de Pombal.
O símbolo da antiga Lisboa medieval foi assim, à moda dos tempos, reabilitado e transformado, usado e deixado ao abandono, sendo protagonista e testemunha de vários acontecimentos, entre chegadas e partidas de navios, mortes e assassinatos, acabando porém por se tornar símbolo maior, numa época já mais recente, da monarquia constitucional e da representatividade republicana com a integração dos novos ministérios, que ainda hoje permanecem.
Comissariada por Nuno Senos, O Lugar do Torreão conta ainda com a possibilidade de os visitantes poderem observar de que forma se pensa a sua nova arquitetura, de forma a continuar um espaço dedicado e abrangendo o Museu da Cidade de Lisboa.
Mais cidade e mais história, de terça a domingo, das 10 às 18 horas.