Revista Rua

2022-06-17T12:21:24+01:00 Histórias, Sabores, Vinhos

Poças, uma mestria ancestral como motor para a inovação

E se de sabedoria vive a Poças, há um ponto inerente à sua preservação: a arte da tanoaria.
Fotografias ©Nuno Sampaio
Redação31 Maio, 2022
Poças, uma mestria ancestral como motor para a inovação
E se de sabedoria vive a Poças, há um ponto inerente à sua preservação: a arte da tanoaria.

Tradição, irreverência e criatividade. Desde 1918 que a Poças é parte da narrativa do Douro, reescrevendo a sua própria história de uma forma muito particular. Uma particularidade que distingue esta empresa familiar no certame tem que ver com a perfeita fusão entre a mestria adquirida há mais de um século com a intenção de inovar e de apresentar soluções disruptivas. Se por um lado é importante preservar um saber centenário, por outro despertam-se vontades de sair “Fora de Série”, sem medos nem anseios.

Aliar a tradição às novas formas de consumo tem ditado grande parte do percurso da Poças e é a partir do Centro de Visitas que contamos esta história. O espaço abre as suas portas em 2016, numa zona histórica de Vila Nova de Gaia, levando os visitantes a embarcar numa viagem até aos primórdios da empresa, por entre balseiros e tuneis que vão narrando esta história familiar por capítulos. Mas antes de entrar, é importante conhecer a ramificação da Poças em cada uma das sub-regiões do Alto Douro Vinhateiro – a mais antiga região vitivinícola regulamentada do mundo e classificada como Património Mundial da UNESCO (em 2001). Numa área total de cerca de 100 hectares, dos quais 75 são destinados a vinha em produção, a Poças tem, no momento, três quintas. A primeira, a Quinta das Quartas, encontra-se em Fontelas (Baixo Corgo) e viria a ser oferecida a Manoel Domingues Poças Júnior, que na altura liderava um pequeno negócio local de compra e venda de aguardente num pequeno armazém em Vila Nova de Gaia, como pagamento de uma dívida, no início dos anos 30. “Esse foi o momento que permitiu começar a ser um produtor de Vinho do Porto. A empresa foi crescendo a par do espaço. À medida que aumentamos a produção, aumentamos também a necessidade de armazenamento e começamos a precisar de mais área”, conta-nos o diretor de marketing e comunicação e atual presidente do Conselho de Administração da Poças, Pedro Poças Pintão. Esse primeiro espaço começou a alastrar-se e a demarcar uma área cada vez mais considerável, até chegarmos a um enorme armazém que é hoje a casa-mãe da Poças, onde acontece a maior parte do processo após a vinificação – desde o engarrafamento ao armazenamento dos vinhos.

Pedro Poças Pintão ©Nuno Sampaio

Recuamos agora até inícios dos anos 90, aquando dos primeiros passos na produção de vinhos DOC Douro. “Entendíamos que era importante ter um pulmão de uvas para DOC Douro e a compra da Quinta Vale de Cavalos foi justamente para esse propósito”, continua Pedro Poças Pintão. Já a terceira, a Quinta de Santa Bárbara, tem uma história diferente. No final da década de 90, a empresa compra uma quinta perto de São João da Pesqueira e dá-lhe o nome de Santa Bárbara em homenagem a uma antiga quinta da família que viria a ser vendida depois da construção de uma ponte na respetiva localização e que comprometeu a devida atividade vitivinícola. “O nosso objetivo era produzir vinho do Porto topo, porque a quinta tinha uma parcela de vinhas velhas considerável e de muita boa qualidade. Hoje, alguns dos nossos vinhos tintos de topo são também produzidos lá, porque de facto há vinhas com um potencial ótimo”, continua. Assegurada pela quarta geração da família – com Pedro Poças Pintão, Maria Manuel Maia, Jorge Manuel Pintão e Paulo Pintão – a par da equipa de enologia liderada por Jorge Manuel Pintão e André Pimentel Barbosa, a Poças reforça o selo de qualidade que lhe é inquestionável à ousadia de arriscar e absorver as infinitas possibilidades do universo do vinho.

E se de mestria vive a Poças, há um ponto inerente à sua preservação: a arte da tanoaria, uma técnica ancestral e deveras importante no processo de amadurecimento do vinho. É aqui que entra então mais uma personagem indispensável para esta história: Jacinto Carvalho, tanoeiro da Poças. “É preciso ter um conhecimento geral da madeira, além de ser um trabalho muito forçoso. Não se encontra com facilidade alguém que queira aprender e fazer. Nasci numa terra de tanoeiros (em Oliveira, na freguesia de Mesão Frio) e sempre me chamou à atenção esta arte. Estive a trabalhar no estrangeiro e juntei-me à Poças há cinco anos”, partilha o tanoeiro, acrescentando: “Hoje, faço o que gosto”. Trata-se de um trabalho minucioso que requer uma observação constante do estado da madeira e das próprias vasilhas, recorrendo às necessárias manutenções, renovações ou até à criação de balseiros de raiz – tudo a cargo do tanoeiro. No seguimento da vontade de explorar as particularidades deste ofício e as importantes características da madeira no processo de envelhecimento do vinho, a produtora lançou recentemente uma edição especial e limitada que visa honrar a arte da tanoaria e provar o quão diferente pode resultar um perfil, consoante o tipo de vasilha. The Coopers Limited Edition 2006 é uma homenagem à arte da tanoaria e mostra como é possível, através de duas formas distintas de envelhecimento do mesmo blend (de uma só colheita), chegar a perfis completamente distintos, quer na sua cor, como estrutura e intensidade.

Enólogo André Pimentel Barbosa ©Nuno Sampaio

No Centro de Visitas da Poças, é agora possível desfrutar de um menu especial, em que para cada proposta são sugeridos dois vinhos distintos. “Nos pairings, ou se vai para aquilo que é o mais direto – se tem aromas doces vamos sugerir um vinho mais doce – ou se dá um twist completamente diferente e na Poças gostamos de explorar harmonizações menos óbvias, mas que depois à mesa funcionam muito bem”, partilha o enólogo André Pimentel Barbosa, acrescentando: “É importante garantir que o vinho não sobrepõe demasiado a comida, nem o contrário, em que a comida abafa o vinho”.

Em destaque no menu está o sável fumado em barricas de Vinho do Porto, uma tradição secular no receituário nacional e que a Poças recuperou ao encontrar uma antiga barrica criada para o efeito, na altura do centenário da empresa. “Lembro-me de o meu pai me falar dessa tradição, que no fundo se tratava de um prato servido nas casas de Vinho do Porto. Quando fizemos as obras apareceu a barrica de sável e decidimos reavivar a tradição com uma breve readaptação”, partilha Pedro Poças Pintão. Segundo o enólogo, o peixe fica em salmoura durante 24 a 48 horas para depois ser limpo e levado a fumar na barrica de sável da Poças – num processo que pode demorar entre 12 a 18 horas, dependendo do peixe. Volta a ser envolto em película para permanecer no frio por 24 horas. A acompanhar, a Poças sugere um Reserva Branco, mas até um Fora da Série Vinho da Roga 2019 harmoniza na perfeição, pois segundo o enólogo: “Aromaticamente e a nível de cor parece um vinho mais adocicado, mas quando se prova percebe-se que tem uma firmeza interessante. Funciona muito bem com este prato porque é um peixe gordo e muito intenso e o vinho acaba por limpar o palato”. Ao que Pedro Poças Pintão acrescenta: “O que eu acho mais interessante nestes vinhos é a versatilidade. São vinhos tintos que harmonizam com pratos completamente diferentes, mesmo com peixe”.

Uma das particularidades que distingue a identidade da marca tem que ver com a diversidade e de terroirs que permite apresentar uma ampla gama de propostas originais e inesperadas. “Temos a sorte de ter quintas em regiões muito diferentes, o que nos permite ter uma matéria-prima muito diversa para produzir vinhos completamente distintos”, destaca Pedro Poças Pintão, acrescentando: “Este ano, vamos lançar um vinho produzido com 100% de uvas da Quinta das Quartas e é muito interessante porque a zona do Baixo Corgo, apesar de ser a parte mais histórica do Douro, com o desenvolvimento da região e o aparecimento dos DOC Douro, o Douro Superior ganha mais relevo, pelo que o Baixo Corgo perde o interesse. Face às alterações climáticas e às mudanças de perfil dos consumidores, entendemos que o Baixo Corgo tem condições muito interessantes para oferecer vinhos muito ricos e direcionados para aquilo que as pessoas mais procuram. Acreditamos que o caminho será, cada vez mais, por aqui”, termina.

Atualmente, o Centro de Visitas da Poças, em Vila Nova de Gaia, encontra-se de portas abertas de terça a sábado, sendo possível fazer uma visita orientada pelas caves e ainda participar em provas de vinho. Na loja, encontramos toda a gama clássica de vinho do Porto e Douro DOC da marca, bem como algumas edições especiais.

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