Revista Rua

2021-01-14T11:45:50+00:00 Opinião

Pra cima de putos

Crónica
Francisco Cordeiro de Araújo
14 Janeiro, 2021
Pra cima de putos

Tirando a exceção e ficção que Benjamim Button curiosamente protagonizou, o ciclo da vida é bastante simples e monótono: nascemos jovens e ambicionamos morrer velhos. Isto implica uma rotatividade e interligação de gerações em qualquer sociedade, que resiste à efemeridade de uma simples vida.

Não obstante, o cemitério da Ajuda parece não ter acolhido o velho do Restelo, que ainda vive e deambula no meio das nossas gentes. Sentado em terra firme, insiste em desaprovar, com infames vitupérios, uma geração que navega pelo denso oceano, pois tudo não passará de um mar de rosas aos olhos de qualquer ancião.

As gerações desde o início da humanidade vão aparecendo e o costume impõe que, sejam elas X, Y ou Z, não passem de uma incógnita que enfrenta a certeza do criticismo. Aquele saudosismo do “no meu tempo”, não nasceu neste tempo, nem morrerá no próximo. Aconselha-se então à nova geração que espere sentada pelo privilégio tempestivo de menosprezar os próximos.

Para uma geração que viu mais Floribella do que leu Florbela, sabemos que muros velhos não dão rosas. Sem rosas, sem picos e sem milagres, resta-nos apostar na irreverência da nossa idade e com pragmatismo dar o salto para o outro lado do muro, pois crescer com cravos dá-nos a liberdade de não querer viver encravados.

Nós, jovens portugueses de agora, somos mais que um bando de pardais à solta, ou confinados, que quer voar. Somos a ala dos namorados num batalhão que deveria pensar fora do quadrado. Não temos tempo para heranças ou qualquer legado, pois somos os netos de um país endividado. Sentimos que sentar não faz sentido, quando valores mais altos se levantam.

Nem sempre escutamos, porém a audição é boa e demonstra talento de quem precisará de mais do que um diploma, se quiser ser melhor que um simples Sísifo no dito elevador social.

Apesar de termos crescido ligados a CDs com cheiro a morangos, cheira-nos que algo tem que mudar, porque respirar este ar, num planeta de sustentabilidade decadente, não é de salutar. Não somos contra o sistema, somos pelo ecossistema.

Sabe-nos a pouco manter tudo igual, neste mundo de que também somos parte e que não queremos partido ou partidário. Içamos as velas de causas nas caravelas que partem à bolina e à boleia dos que connosco lutam por um mundo justo, que pule e avance, com direitos humanos de sol a sol.

Sentimos as palmas de mãos com outro datilograma, daqueles que não espelham a nossa identidade, numa algibeira sem eira nem beira. Temos muitos dissabores e outras prioridades, somos a geração mentalizada para a importância da saúde mental e do bem-estar, onde a felicidade não é apenas banalidade.

Vemos bem o que temos pela frente, num país sem visão estratégica. Palavras vagas não fazem parte da nossa epopeia. De emigrantes forçados, que de à rasca procuraram o desenrasca, esperamos vir a ser estrangeirados, aqueles iluminados retornados que são a luz duma vela num retangular quarto escuro, e não apenas uma pacífica gota no vasto Atlântico.

Somos jovens em todos os sentidos e queremos dar sentido ao que nos espera, sem esperar por o que nos aguarda. Dizem que somos o futuro de Portugal. E que tal sermos também presente? Não somos a totalidade da sociedade, nem a exclusividade da mediocridade. Somos bem que mais que putos, somos uma geração que honrando os seus egrégios avós, quer ser a voz de um país moderno. Um país que é para velhos e jovens, uma sinergia inter-geracional nesta Pátria chamada Portugal.

Sobre o autor

Mestrando em Direito Internacional, na Faculdade de Direiro da Universidade de Lisboa, estudou também Direito Constitucional e Economia na Alemanha. Foi presidente da European Law Students’ Association – ELSA Portugal, em 2019/2020, e orador e moderador de diversas conferências, como a Law Summit, ELSA e TEDx. Recentemente, fundou Os 230, um projeto de literacia política.

Partilhar Artigo: