Revista Rua

2024-03-04T22:47:55+00:00 Cultura, Literatura

Prazer e culpa no feminino. O Sexo das Mulheres, da autora Anne Akrich, é um murro na mesa, na evolução do feminismo

Tema fraturante, mas cada vez mais necessário num mundo politicamente correto e, simultaneamente, tão sem amarras, “O Sexo das Mulheres” pode ser entendido como um manifesto ou livro de crónicas.
Cláudia Paiva Silva
4 Março, 2024
Prazer e culpa no feminino. O Sexo das Mulheres, da autora Anne Akrich, é um murro na mesa, na evolução do feminismo

Anne Akrich, francesa, mas criada no Taiti, sabe falar de sexo. E sabe falar de sexo, sem culpas, no feminino. Ou então, sabe falar da culpa que as mulheres sentem quando nele falam, pensam ou o fazem.

Porque o livro O Sexo das Mulheres (edição Quetzal) não é um livro de educação sexual. Ou, melhor, também o pode ser. E porque nos aproximamos rapidamente de dia 8 de março, consagrado e exclusivo para as Mulheres, porque não colocar o dedo na ferida? Mais ainda quando as eleições nacionais irão, certamente, eclipsar mais uma data anual, igual a tantas outras, mas cuja importância não passa de distribuição de flores e pouco mais.

Os números não enganam, e continua a haver uma predominância de casos de violência contra as mulheres, em todo o mundo. Incluindo a violência sexual que já não passa apenas pela violação, ou pela violência de atos sexuais não consentidos.

No livro, contudo, Anne aborda outros temas que tocam profundamente a imensidão da psique feminina. Nomeadamente a culpa que muitas mulheres ainda sentem – sim, em países desenvolvidos, modernos, “open-minded” e onde o “me too” carrega todo um peso. A culpa, maioritariamente derivada de um sistema patriarcal, bem enraizado em países como Portugal, por exemplo, onde até há poucas décadas, a mulher se queria “domesticável” e “disponível” para as vontades masculinas apenas.

Mas e quando é a vez delas? Num sistema social bem definido, onde o feminismo tem lugar, não haveria espaço sequer para qualquer dúvida. Homens e Mulheres têm o mesmo direito ao prazer, a procurar formas de terem prazer. Mas sabemos que não é tanto assim, embora as novas gerações insistam em importar conceitos internacionais que desmistifiquem as ocorrências. Mas será que podemos tratar o sexo da mesma forma em Portugal, como na França, como um país nórdico, africano ou asiático? Talvez não.

O prazer no masculino resume-se rapidamente a uma “ação” para o exterior. Já no que toca ao prazer feminino, há que estimular cerca de 10 mil terminações nervosas. Não pode ser uma coisa rápida e “(in)dolor”.

Ainda assim, expressões como empoderamento feminino, sororidade ou as mais recentes “estou a criar um/a feminista”, não mais servem do que achas para uma fogueira a céu aberto, com emissões de CO2 por todo o lado. Numa época na qual as políticas parecem convergir para uma “direita” fatual e eficiente, as reivindicações, as questões, as culpas femininas, provocam o caos e o medo no masculino. Mais, todos os tipos de manifestações são já vistos, pelas próprias mulheres, como um exagero, uma afronta. Quase que é necessário voltar ao tempo em que a mulher deve ser recatada e estar pacificamente no seu devido lugar, sem fazer muito barulho.

O Sexo das Mulheres, por Anne Akrich

Numa das entradas mais cómicas e, no entanto, tão verdadeiras do livro, Anne descreve: “O sexo feminino é o órgão mais inteligente do corpo humano. É provavelmente isso o que mete medo. Basta pensar que nos filmes de Hollywood há muitos monstros que são vaginas. Predador, Alien, o deus dos Aracnídeos, o meu preferido continua a ser o Cérebro comedor de pensamentos de Soldados do Universo, uma vulva gigantesca ataviada com oito olhos. Penso num homem sozinho diante da folha de desenho, a moer a cabeça para imaginar o aspeto de um monstro aterrador, que, inconscientemente, esboça os contornos de uma vagina (…). Uma vagina pessoal! Há lá coisa mais aterradora do que uma vagina!”

Resta a questão, será que este medo, enraizado nos homens, talvez num complexo de Édipo, não estará igualmente presente em quase todas as mulheres? Uma memória no ADN desde a época de Eva e Adão, onde, claro, a maçã caiu nas mãos da Mulher, contaminando toda a futura Humanidade.

Mais a mais, não é a mulher a principal culpada pelo seu desgoverno sexual? Se ainda hoje se escuta que, certamente, se colocam a jeito, como sair da espiral de eterna culpabilização pelos instintos mais básicos, carnais e humanos que existem?

Assim, O Sexo das Mulheres desbrava vários territórios, entre os quais também se incluem filhos, maridos, companheiros, aventuras, desventuras, abuso sexual, abuso de poder, o que nos é transmitido de geração em geração. Mas não, não ensina o futuro, não o prevê sequer. Apenas reflete o resultado de, talvez, milénios de dúvidas e poucas respostas.

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