Revista Rua

2018-05-03T19:20:10+01:00 Opinião

Risco

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Tiago Do Vale
2 Abril, 2018
Risco

Muitas vezes acomodada entre as artes, a Arquitetura não é como nenhuma delas: podemos eleger assistir a um concerto ou entrar numa galeria, mas a Arquitetura envolve-nos sempre, em todos os momentos. Mesmo quando de iniciativa privada, os seus efeitos traduzem-se num bem público que desenha o lugar em que a vida se desenrola.

Ada Louise Huxtable, histórica crítica de Arquitetura do The New York Times, sempre insistiu que a Arquitetura é uma arte – e também que é mais do que uma arte – da qual toda a sociedade merece desfrutar.

O significado e missão da Arquitetura não é apenas o reflexo da técnica com que se constrói ou da função que tem de cumprir: a Arquitetura é um processo extremamente complexo que parte de um lugar, do território, da cultura, da história e, sobretudo, das pessoas que a habitam e – respondendo às expectativas e aos requisitos funcionais, técnicos e humanos – incorpora questões éticas, sociais, políticas, filosóficas, ergonómicas e estéticas na busca de uma resposta integral à função e ao que está para lá da função.

O propósito da Arquitetura é, no seu mais essencial, melhorar a qualidade de vida e o bem-estar das pessoas através da forma como interage com elas e da transformação dos espaços em que a vida acontece.

A Arquitetura não é, portanto, nem construção, nem a inconsequente acumulação de espaços com funções.

Em paralelo, a Engenharia Civil é um dos maiores feitos intelectuais da humanidade. Alicerçada sobre uma cultura científica longa, sofisticada, profunda e de extrema complexidade, obriga a uma exigente tradução da abstração técnica para as infinitas variáveis do seu exercício no terreno.

Embora os engenheiros nem sempre beneficiem de um merecido reconhecimento – muitas vezes devido à natureza da sua ação se expressar mais em equipa do que em criação individual – atrás do cliché das “regras e normas” está uma atividade de fortíssima e interessantíssima prática criativa na busca de soluções técnicas e tecnológicas para a melhor edificação possível.

No entanto creio que, por esta altura, todos estamos a par do retrocesso legislativo e cultural a que a sociedade portuguesa foi mais uma vez sujeita, pelas mãos do plenário do parlamento no passado dia 16 de março, reabrindo as portas a que outros técnicos possam assinar projetos de Arquitetura.

Infelizmente, na ânsia de terceiros em intervir na área de competência da Arquitetura, desprestigiam-se tanto arquitetos como engenheiros, em grave prejuízo do território, das cidades e da qualidade de vida em Portugal: o conhecimento em Arquitetura conforma uma área científica à qual outras formações são alheias.

Ao contrário do que se passou em 1973 (numa situação transitória que procurava dar resposta ao reduzido número de arquitetos no país desse momento), desta vez insiste-se sobre questões já antes clarificadas, denunciando uma Assembleia da República e um quadro partidário que expressa uma surpreendente ignorância e insensibilidade em relação ao que é a Arquitetura e ao papel de extrema responsabilidade – e de extrema consequência – que esta possui na sociedade e no território, confundindo Arquitetura e Construção sem nenhuma cultura humanística.

É tarefa dos Arquitetos e, gosto de pensar, também dos Engenheiros Civis que têm orgulho na sua arte, comunicar as invioláveis diferenças entre as várias disciplinas que participam do processo construtivo, contrariando uma lei sem lugar em qualquer país civilizado.

Todos podemos riscar, mas nem todo o risco é Arquitetura.

Sobre o Autor

Arquiteto.

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