Rui Caria: “Quando fotografamos alguém, quando contamos a sua história, isso tem valor arqueológico”
Cruzámo-nos com Rui Caria por intermédio da Xiaomi Portugal e, sem filtros, apaixonámo-nos pelo seu trabalho. De fotografia em fotografia, de história em história, Rui Caria é imagem, é arte, é tempo. Tempo de descoberta, sem medo de ficar sem tempo no percurso. Porque, se há coisa que aprendemos com ele, é que o tempo tira tempo para valorizar o que queremos contar com amor.
No Dia da Fotografia, damos voz a Rui Caria e à sua solitude fotográfica, tão viva e necessária.
Rui Caria, repórter, fotógrafo, contador de histórias. É desta forma que podemos apresentar-te ao leitor?
É muito difícil falarmos de nós sem acharmos que estamos a falar demasiadamente de nós (risos). Eu faço o que eu faço. Gosto sobretudo de pensar a fotografia em termos fotojornalísticos, em termos documentais. Também gosto de fotografar uma paisagem que não serve para muito mais do que para ser contemplada. Mas gosto sobretudo de informação, de uma história qualquer dentro de uma fotografia, dentro de uma série de fotografias. Procuro fazer sequências fotográficas, corpos de trabalho, por exemplo, com dez fotografias, vinte, não importa, em que ali pelo meio há algumas fotos fáticas, que não servem para mais nada que não seja para ligar umas fotos às outras. Não têm grande mensagem, mas servem de ponte. Claro que se todas tiverem mensagem é mais forte, mas às vezes não é possível. Dependendo das histórias, pensamos mais ou menos o que é que podemos fazer.
Penso que a história nunca pode ser prejudicada em relação à força daquelas imagens. Ou seja, de outra forma, há imagens que têm que ser de ligação para que a história fique completa. Se calhar, a história fica mais fraca em termos visuais ou até podemos prejudicar um pouco o trabalho. O ideal era termos um grande trabalho, fortíssimo em termos imagéticos, que contasse uma grande história e cada foto em si contasse também uma história. Esse é o segredo, penso eu, da fotografia. Mas às vezes não é fácil conseguir isso.
É por isso que dizes, muitas vezes, que para fotografar bem é preciso ter tempo.
O tempo é fundamental. Eu não sei se o tempo existe. Eu gosto muito de ler sobre o tempo, mas não tenho muito tempo para ler (risos). Eu não sei se o tempo existe ou se é só uma criação nossa. Por exemplo, nós quando sonhamos, não há tempo nos sonhos. E os sonhos são quase uma falta de consciência. Então, se não temos consciência porque estamos a dormir e aí não temos noção do tempo, isso significa que o tempo é uma criação da consciência. É verdade que quando acordamos o relógio avançou sempre, porque é uma questão mecânica. Foi uma criação nossa! Os relógios não nasceram nas árvores, foram nós que os inventámos. Mas havendo o tempo e o espaço, a fotografia é isso. É a representação do tempo e espaço. É preciso ter tempo para fotografar. É preciso ter – eu não diria solidão, mas solitude. Estar sozinho, estar limpo das ideias e da cabeça e focado no que estamos a fazer. Considero que isso é importante para a fotografia. Como é importante para tantas coisas, para tantas profissões.
Quando partes para a fotografia nunca tens nenhuma ideia pré-concebida? Ou seja, tentas ter mais ou menos noção do que é que vais fotografar, mas deixas que o tempo por si só acabe por te contar essa história que estás a procurar?
Depende. Às vezes sim, às vezes não. Por exemplo, a história das Mulheres da Nazaré, que fiz há pouco tempo para a masterclass da Xiaomi. Eu sou da Nazaré, eu tinha aquelas mulheres na cabeça e na minha vida, porque eu nasci lá e conheço aquelas pessoas.
São essas raízes que acabas também por trazer para a tua visão natural…
Sim, e eu cada vez estou a procurar mais o tipo de trabalho documental em que eu também tenha um lugar de fala na história. Ou seja, eu não me quero exibir nas histórias dos outros, mas acho que cada vez mais é importante conhecer a pessoa que está a fazer um certo trabalho. “Este trabalho foi feito assim, mas quem é que o fez?”. É um bocado a editorialização da pessoa. Estamos quase a ser jornalistas para a nossa audiência. Já não precisamos de mandar o nosso trabalho para um órgão de comunicação para que seja transmitido. Já quase podemos transmiti-lo direto. Com esta história toda da vertigem das redes sociais, há jornalistas com mais seguidores do que os próprios órgãos para onde trabalham. Isso pode querer dizer muita coisa. Eu acho que antigamente vias um trabalho do qual poderias desconfiar da sua autenticidade, da sua credibilidade, da sua verdade, o que for… Mas não ias ver quem é que o fez, ias ver quem era o órgão que o colocou no ar. Era o Público, o Expresso, era o quê? E dependendo de onde aquilo viesse, tu ias acreditar mais ou menos. Era uma fonte de credibilidade. Eu hoje penso que as redes sociais mudaram um pouco esse ponteiro. Aquela peça saiu num jornal de referência e tu vais ver dentro daquela referência quem é que fez a peça, quem é que fez a reportagem, quem é que fez o documentário. Isso pode criar uma nova credibilidade e pode ajudar a credibilizar o próprio órgão. Ou seja, a pessoa que fez a reportagem, que criou o documentário, pode ser veículo de credibilização. É esta lógica: se isto foi feito por esta pessoa para este órgão, significa que este órgão confia nesta pessoa e nós também temos que confiar. Porque as redes sociais aproximaram os jornalistas das pessoas.
Achas que estás nessa fase, exatamente?
Eu não sei se estou nessa fase. Eu gostava de não depender de ninguém para contar as minhas histórias. Gostava de as contar sozinho. Acho que estou a conseguir, de alguma maneira, fazer isso. Claro que publiquei, há pouco tempo, uma história no Expresso e na SIC. E vou continuar a fazer isso, porque são megafones para espalhar histórias pouco conhecidas, histórias ocultadas, às vezes. São altifalantes, que falam mesmo muito alto. Naturalmente é uma projeção gigante. Mas já tenho a minha audiência, de alguma forma. Há pessoas que já esperam algumas “coisinhas”. Às vezes surge um “não tens feito nada”. Isso é curioso. Porque, apesar de tudo, é reconhecimento, é quase um elogio. Eu acho graça a isso. Move-me também a fazer estas histórias mais pequenas. Isto que eu faço é quase arqueologia. Porque eu não estou a fazer histórias para amanhã. Apesar de as histórias serem publicadas amanhã, eu acho que têm de ser vistas ao longe. Eu não sei se isso faz sentido, mas para mim faz. Faz sentido que alguém daqui a 20 anos, ou 200 anos, olhe, por exemplo, para esta história das Mulheres da Nazaré, feita por mim, e entenda a história delas e a minha. Até para entender por que razão eu fiz aquilo da forma que eu fiz. Acho isso curioso.
Também considero curioso que no teu trabalho vejamos esta vertente da tradição, quase como um perpetuar de algo que se está a perder. Achas que isso identifica de alguma forma essa tua visão fotográfica?
Porque eu estou a morrer e acho que é urgente deixar alguma coisa aí (risos). Se calhar é isso… porque estamos todos a morrer. A verdade é essa. A dada altura a gente pensa que tem de deixar qualquer coisa. Perpetuar-se. Se não há outra forma de me perpetuar sem ser através de alguma coisa que fica por aí feita – e não sei que importância é que isso tem para os outros, mas para mim ainda me vai agradando pensar assim. Porque eu acho que nós acabamos por desaparecer de alguma maneira. Daqui a 124 anos, nenhuma das pessoas que cá estão hoje estarão no planeta. E eu vou ser um deles. Por isso, se ficar alguma coisa nossa feita, melhor. Se esta reportagem que tu escreveste servir para alguém, daqui a 200 anos, ler e me conhecer um pouco melhor – e também a ti através da reportagem – eu acho que é ótimo. Significa que contámos a nossa história a alguém que estava interessado em saber quem era aquele fulano, de quem eu vi uma foto numa parede, não sei na casa de quem… Acredito que, se alguém vai procurar uma história e lê a tua entrevista sobre mim, fica a conhecer-me a mim e a ti. Isso não tem mal nenhum. Pode ser uma pessoa, podem ser mil. Assim nós continuamos de alguma maneira a ficar por aí. Perpetuados nessas paredes e nessas histórias. Eu não sei se isso é só conforto, porque estamos com medo de desaparecer. Se calhar é, mas não questiono.
Porque, no fim, todos viramos história.
É só isso que nós deixamos. Acho bonita essa ideia. Porque é a verdade. Esta necessidade do lugar de fala… Eu tiro uma fotografia, por exemplo, na Ucrânia, da guerra. As pessoas querem saber porque é que eu tirei aquela fotografia assim e querem conhecer-me.
Há uma das componentes também do teu trabalho que tem muito a ver com a diversidade das histórias que contas. Ou seja, nós podemos ver um trabalho teu sobre surf, sobre a arte dos Chocalheiros, sobre a guerra da Ucrânia. Interessa-te também essa pluralidade?
É indiferente para mim. Eu trabalho desde 1993 em televisão, como repórter de imagem – que já procuro fazer muito pouco, estou muito cansado (risos). Fui sempre correspondente. Isso é um defeito porque um correspondente é um especialista em generalidades. Eu lembro-me de fazer uma conferência episcopal em Fátima, à tarde um jogo de futebol em Leiria e à noite alguém que matou alguém num café. Então eu fazia três temáticas: religioso, desporto e hard news/crime. Tinha de fazer tudo com a mesma câmara, com o mesmo colega redator. Tínhamos de fazer tudo, a toda a hora. Quatro e cinco reportagens por dia. Aquilo não é fazer nada bem, é só fazer coisas. Mas também o que é fazer bem em jornalismo? O bom em jornalismo é o que informa. A forma como informa, o pacote, é evidente que quanto mais bonito for, mais bonito é – e mais audiência se calhar terá. Mas o conteúdo, apesar de tudo, é o mais importante. Era isso que eu fazia.
“Já me cansa a história da subjetividade, da objetividade, da isenção… porque isso não existe! É melhor assumir que eu fiz aquilo a tomar um partido, mas com todos os cuidados éticos que é preciso ter para não fugir daquilo que é importante: os factos”
“Já me cansa a história da subjetividade, da objetividade, da isenção… porque isso não existe! É melhor assumir que eu fiz aquilo a tomar um partido, mas com todos os cuidados éticos que é preciso ter para não fugir daquilo que é importante: os factos”
Na fotografia, não me incomoda a história que eu vou fazer. Até acho curioso fazer coisas diferentes porque treina-me o olhar e treina-me a abordagem. Faz-me estudar. Quase fazer um estado de arte. Porque qualquer que seja o trabalho que fazemos hoje em dia, estamos a ser escrutinados em tudo, em cada palavra que dizemos. É muito perigoso! Eu fiz agora, por exemplo, um trabalho bastante crítico, sobre a história de um homem trans. Se eu ponho o pé na argola, essa argola trucida-me. Eu tive de compreender, de estudar, de libertar-me de algumas coisas para poder fazer esse trabalho. Foi ótimo! É só aprendizagem. E noutros trabalhos é igual. Parece que vamos só com uma câmara para ali fotografar, mas não é assim. Há muito trabalho de pesquisa – e não é pesquisa para ver como é que se faz ou para tentar imitar o que já está feito. Ou para tentar fazer diferente, porque já está feito assim, assim, assim. Eu quero fazer de outra forma ainda. Mas não quero cometer erros enquanto faço aquele trabalho. Daí ter que fazer pesquisa. Por exemplo, eu vou fotografar uma história contigo. Eu não te quero conhecer absolutamente. Mas eu quero conhecer, por exemplo, as histórias que tu escreves. A Andreia é jornalista. Eu vou tentar perceber o que é jornalismo. Eu vou tentar perceber como é que se faz uma peça, como é que se escreve, qual é o procedimento técnico, como é que se grava. Isso eu vou tentar compreender até para poder estar contigo mais à vontade. Mas a forma da imagem, as fotos que vou fazer de ti, a forma como vou estar contigo, descubro ao estar contigo. Essa é a grande surpresa do trabalho também. É essa descoberta enquanto fazemos. Há quase aqui uma coisa de experimentalismo. Por isso é preciso tempo. Para estar, para conhecer, para ganhar uma certa intimidade. As primeiras fotos são, muitas vezes, aquelas que não usamos. Usamos mais as do fim porque são sempre essas em que se percebe que há mais ligação. E nessa ligação poderás dizer que não há isenção. Às vezes não há. Não somos isentos. É uma ilusão, um mito. É mitológico no jornalismo. Há a busca da isenção e até a tentativa de isenção. Mas não é possível. Eu acho que é o Umberto Eco que diz uma coisa que eu acho genial: “Eu nasci sujeito, não nasci objeto”. Não posso ser objetivo dentro do subjetivo. Isso diz tudo. Acho que não é preciso dizer mais nada. Por isso, já me cansa a história da subjetividade, da objetividade, da isenção… porque isso não existe! É melhor assumir que eu fiz aquilo a tomar um partido, mas com todos os cuidados éticos que é preciso ter para não fugir daquilo que é importante: os factos.
Eu acho que, uma notícia, que é diferente do documentário, é algo que ninguém quer ver publicado. Ou que pelo menos as pessoas que são notícia não querem ver publicado. Isso é notícia. E, por isso, é fácil ter inimigos no jornalismo. Porque as pessoas misturam tudo. O jornalismo está cada vez mais pessoal, não é? Então o truque é tentar fazer a peça com o máximo de autenticidade possível. Com honestidade. Para se perceber isso. Para que as audiências percebam essa honestidade naquele trabalho. De quem fez e de quem está a ser relatado. Às vezes criamos descontentamento nas pessoas e acabamos por, se calhar, explicar no fim que é assim que funciona. É a vida, é o nosso trabalho.
Tens uma ligação especial à Leica e à Xiaomi, com quem tens desenvolvido uma série de masterclasses para partilhar o teu olhar fotográfico. Como começou essa ligação?
Já é assim há tanto tempo que eu já nem me lembro como é que começou (risos). Para mim, fotografar com Leica faz sentido, mas a mensagem que eu gosto de passar a quem segue o meu trabalho é: não importa a câmara, importa nós tirarmos tempo para fotografar. A câmara importa quando se sabe fotografar e quando não se sabe. Importa da mesma maneira, na mesma medida. Por isso não importa (risos).
Eu trabalho com equipamento que, por acaso, tem a marca Leica. Que por acaso tem câmaras que me agradam trabalhar porque me permitem falhar. A Leica não gosta muito que eu diga isso, provavelmente, mas eu digo na mesma (risos). Porque é bom lidar com a frustração. Estamos cada vez menos habituados a isso. As crianças já não sabem ouvir “não”. Nós sabíamos, enquanto éramos miúdos. Esse lidar com a frustração na fotografia, para mim, significa que eu preciso de falhar para ficar mais atento a seguir. Ficar melhor a seguir. Para aprender. Aprendemos absolutamente no desconforto, sempre. Isso é ótimo! Eu trabalho com câmaras manuais e nunca é a câmara que falha. Quando digo que aquelas câmaras me permitem falhar é porque sou eu que falho. O objeto está sempre certo. Eu é que não foquei porque, na verdade, deveria ter sido eu a focar. Não há outra forma de fazer. Eu nunca sei muito bem o que é que vai sair quando tiro uma fotografia. Eu preciso dessa incerteza no meu trabalho. Porque é o que me faz chegar a casa e querer ir ver as coisas antes de ir para a cama. Eu vou primeiro ver o que é que fiz. Para ver se está tudo bem. Obviamente que não vejo tudo. Vejo na diagonal, mas olho para tudo e consigo perceber que aquela foto que eu tinha na cabeça, aquela imagem está ali e está focada… está certa, está mais ou menos como eu queria. Isso é muito importante para mim. Essa surpresa de ver a fotografia acontecer depois de estar fotografada é fundamental para mim. Não troco isso por coisa nenhuma. Obviamente que uso câmaras também que a gente olha pelo visor eletrónico como um smartphone, por exemplo, em que já vemos a foto feita. É super confortável e útil. Mas o prazer de fotografar com um objeto que não sabemos muito bem o que vai sair dali, fascina-me.
Eu preciso de ter prazer a trabalhar, gosto e motivação. O resultado é muito importante, mas o processo para mim também é muito importante. Há quem defenda que a única coisa que importa é o resultado. Eu compreendo isso e respeito, mas para mim não é apenas isso que importa. O processo importa.
E a ligação ao Xiaomi? Ou seja, temos um telemóvel que podemos assumir que, em primeiro lugar, é uma câmara fotográfica.
Os smartphones são cada vez mais câmaras fotográficas, é verdade. Eu acho que as marcas estão a investir na parte da câmara e o telefone já está explorado. O telefone, em termos de voz, de comunicação, penso que está esgotado. É um bocado como o cinto de segurança do carro. Talvez a peça que evoluiu menos num carro foi o cinto de segurança. A gente cruza aquela peça há 200 anos e serve. Eu penso que as chamadas telefónicas, com mais qualidade de voz ou com menos, estão resolvidas. Mas as câmaras não. Há muito a caminhar, há muito por onde procurar e as marcas estão a dedicar-se a isso porque descobriram finalmente que é possível que pessoas profissionais como fotojornalistas ou documentaristas utilizem os seus equipamentos, porque são mais pequenos, são mais leves, são mais baratos do que, por exemplo, câmaras. Faz com que esses profissionais possam arriscar mais em alguns trabalhos e até encontrar novos ângulos de abordagem a temas, novos pontos de vista porque é possível pôr um smartphone num sítio onde não é possível pôr uma câmara porque é maior. Isso, se calhar, até ajuda a criar e a ver coisas de outra forma. Só pode ser bom.
Naturalmente, é espantosa a evolução tecnológica. Eu acho que daqui a uns anos vamos estar sentados a ver o mundo a evoluir… enquanto comemos um pastel de nata (risos). Eu adoro tecnologia, adoro perceber os objetos. É uma coisa minha desde sempre. Eu acho que comecei nesta área porque fiquei sempre siderado quando via uma câmara fotográfica e ficava sempre a sonhar com aquilo. Desligava-me do mundo. Ficava a olhar para aquele objeto e pensava sempre que deveria ser giro tocar naquilo e experimentar. Agora tenho o privilégio de poder experimentar algumas coisas, de poder até contribuir. Acho que é interessante quando vêm ter connosco e nos perguntam o que é que podem fazer para melhorar para o nosso trabalho. Isso é fantástico! Senti isso com a Xiaomi e assumo como um elogio ao meu trabalho. Agradeço imenso porque tem sido uma experiência muito gira.
Mas já te fascina fotografar com telemóvel?
Eu acho que o smartphone é um objeto que nos torna um pouco mais invisíveis. Cria uma certa invisibilidade porque toda a gente está a fazer alguma coisa com o telemóvel hoje em dia. Ninguém acredita que nós estamos a fazer coisas em trabalho. Quando nós viramos um smartphone para uma pessoa para lhe fazer uma entrevista, por exemplo, para televisão ou para fotografia, ela nem acredita muito bem naquilo. Não há uma ligação direta a um trabalho. Não é invasivo, a pessoa fica mais espontânea, fica mais liberta… isso só pode ser bom. Depois, em termos técnicos, estamos a falar de objetos que já têm ficheiros negativos digitais de uma solidez incrível, que já se misturam com os das nossas câmaras que estamos habituados a trabalhar. Já misturei umas coisas com outras e, na maior parte das condições de luz, não é possível notar a diferença. Naturalmente estamos a falar de objetos com preços diferentes, com características diferentes, com óticas diferentes. Mas eu acho que não há uma competição dos smartphones com as câmaras. É diferente, sempre. Se hoje me apetecer sair com um telefone para fotografar em Madrid ou Valência, eu vou e vou publicar o trabalho com toda a dignidade do meu conhecimento. A minha técnica, a minha visão, está lá. Ninguém vai questionar como é que eu fiz. E, para mim, faz sentido assim. A evolução está tão avançada que tudo fica mais fácil de usar de modo mais perfeito.
“Quando nós viramos um smartphone para uma pessoa para lhe fazer uma entrevista, por exemplo, para televisão ou para fotografia, ela nem acredita muito bem naquilo. Não há uma ligação direta a um trabalho. Não é invasivo, a pessoa fica mais espontânea, fica mais liberta… isso só pode ser bom”
“Quando nós viramos um smartphone para uma pessoa para lhe fazer uma entrevista, por exemplo, para televisão ou para fotografia, ela nem acredita muito bem naquilo. Não há uma ligação direta a um trabalho. Não é invasivo, a pessoa fica mais espontânea, fica mais liberta… isso só pode ser bom”
És um homem que já fez tanta coisa. Há algum projeto que falte concretizar?
Eu gosto de ir na incerteza. Não gosto de chamar projetos, gosto de falar em trabalhos. Eu, na verdade, acho que nunca soube o que ia fazer (risos). Não tenho pretensão de pensar no a seguir. É óbvio que há coisas que gostava de fazer. Vou fazê-las todas? Obviamente que não. Vou fazer algumas? Provavelmente, espero que sim. Eu acho que se pode contar uma história no fim da rua com tanto valor como do outro lado do mundo. E às vezes temos o costume de correr o mundo à procura de coisas que às vezes estão na nossa rua. Por que não explorar a nossa rua, bater à porta das pessoas e ouvir histórias que possam ser banalidades como as nossas? Podem interessar a alguém no futuro. Quando fotografamos alguém, quando contamos a sua história, isso tem, de alguma maneira, valor arqueológico. É para depois, não é para já. Eu vejo o trabalho de fotografia documental, de fotografia de rua, desse jeito. É um trabalho que irá ficar para que, daqui a 100 anos, alguém veja como era aquela rua. Ver como as pessoas usavam a rua. A fotografia é quase toda documental. É uma expressão da nossa vida. Por isso, nunca sei o que vou fazer. Mas hei-de fazer alguma coisa! (risos)
Mais sobre Rui Caria:
Rui Caria é um fotojornalista português, reconhecido por anos de experiência de colaboração com diversos órgãos de comunicação nacionais e internacionais. Já agraciado com vários prémios ao longo da sua carreira, Rui Caria apresenta trabalhos fotográficos maioritariamente documentais, com temáticas centrais que englobam as questões sociais, os direitos humanos e o ambiente. Em 2022, como enviado especial da SIC Notícias, fotografou a guerra na Ucrânia, trabalho do qual resultou o livro Ukraine: A War Crime. Interessado por “documentar a vida das pessoas comuns e os desafios que enfrentam”, como o próprio destaca, Rui Caria é protagonista na Xiaomi Master Class 2024, projeto que destaca histórias visuais captadas através da lente do novo Xiaomi 14 Ultra. Com impacto nas capacidades fotográficas do smartphone, mas também com destaque para as possibilidades videográficas, esta Xiaomi Master Class em parceria com a Leica mostra uma abordagem documental através de uma viagem às origens do fotógrafo português: a Nazaré.