Tatiana Saavedra: “Esta é uma era fértil, onde a mente humana e o digital coabitam e se desenvolvem em constante sinergia”
Tatiana Saavedra é licenciada em cinema e vencedora do concurso europeu Cinema and Industry Alliance for Knowledge com o melhor projecto e melhor plano de negócio. Como fotógrafa tem sido destaque em várias revistas nacionais e internacionais. A fotografia para o cartaz do filme Ouro sobre Azul, ganha em 2019, o 1º lugar dos Prémios Sophia.
No dia 9 de maio de 1816, usando uma caixa de madeira, o francês Joseph Nicéphore Niepce conseguiu, pela primeira vez na história, gravar uma imagem numa folha de papel sensibilizado quimicamente. Desde aí, e numa escala de evolução que atravessa dois séculos, uma imagem pode descongelar e desfragmentar muitas outras artes, muitos outros tempos. Com que universo artístico as tuas imagens se fundem?
As minhas imagens são sempre o resultado complexo entre o interior e o exterior, ou seja, não são apenas um reflexo do que eu vivo, mas também das minhas questões acerca do que me rodeia e de uma busca por descrever o mundo à minha volta. A fotografia e o cinema, são para mim as ferramentas ideais para o registo da realidade ou a imitação da vida, como dizem. Após licenciar-me em cinema onde comecei por explorar as fronteiras entre documentário e ficção, os meus filmes tornaram-se propostas documentais que fugiam um pouco de formas mais padronizadas do cinema. Gosto de me sentir conectada com a Humanidade e de acreditar que o meu universo se funde com uma arte mais “humana”. A câmara é a minha ferramenta de conexão com as pessoas, como se através dela pudesse contar as histórias de cada um, as suas idiossincrasias, as suas vulnerabilidades e impulsos.
Podemos ler as tuas fotografias como poemas?
Sim, eu própria proponho essa leitura no meu statement. Na minha opinião a poesia, como toda a arte, destina-se a despertar emoções e se isso é equiparável ao que eu faço aceito de bom grado a analogia.
“…o reencontro com a Natureza é um sinónimo de liberdade, entrega e rendição e é através da solidão que se consegue ver claramente o nosso reflexo espelhado no ambiente que nos rodeia.” Mais do que nunca o reencontro com a natureza é urgente para que nos possamos reinventar?
Para mim, a urgência em nos redescobrirmos através da Natureza leva-nos à possibilidade de nos reinventarmos. Ao nos sentirmos relacionados novamente com a Natureza sentimo-nos livres e encontramos outra pessoa em nós, uma pessoa despida de preocupações. Explorando a vulnerabilidade e a nudez dentro da natureza procuro o reencontro com a nossa génese. O Nosce te Ipsum (conhece-te a ti mesmo) dá lugar a uma personalidade fragmentada e diluída. Como uma fotografia desbotada da infância. E esse desconhecimento fere, deixando na alma um travo a melancolia e nostalgia, ou, no nosso bom português, saudade.
Esta é uma era fértil, onde a mente humana e o digital coabitam e se desenvolvem em constante sinergia. O Virtual afastou o Ser Humano da Natureza, tornando esta uma exceção contraproducente nas nossas vidas, e desvalorizando a sua proteção, tal como uma criança incauta que larga as mãos da sua mãe para explorar o mundo por conta própria. Mas, tal como essa criança, após as nossas quedas, regressamos ao refúgio que outrora nos abrigou, procurando essa ligação inata que, inadvertidamente, descurámos. O reencontro com a Natureza é um sinónimo de liberdade, entrega e rendição, só assim podemos finalmente reinventar-nos; servindo-nos da Natureza restabelecemos a humanidade.
O contraste com a pele dos corpos nus das tuas imagens com a natureza azul predominante remete-nos para uma identidade, um corpo só. Esta união representa o equilíbrio que há muito se perdeu entre a obra da humanidade e o que ainda permanece intacto?
Sim, penso que há uma grande necessidade de reencontro e reconciliação com uma parte nossa que é exterior e ao mesmo tempo interior. O importante para mim é o desligar do dia-a-dia ou de um mundo standard e transportar as pessoas para um mundo onírico dentro da Natureza, através das cores, das formas e dos corpos. Quero dar liberdade ao leitor de poder interpretar o meu trabalho como esse reencontro. Porque no fundo ele está lá.
O mundo está ferido e as tuas imagens retratam, por vezes, essa fragilidade constante do ser humano que se agrava com o passar do tempo. A teu ver, ainda vamos a tempo de cicatrizar as feridas mais profundas?
Por vezes sente-se uma sede urgente de vida e uma angústia difusa nas imagens que retrato – do homem perdido nos espaços infinitos, ou os corpos nus entre quatro paredes, criando um ambiente de clausura e de letargia. Talvez seja imprudente assumir que o nosso afastamento da Natureza é algo misterioso ou, que nos foi imposto de um modo irrefutável. A verdade é que recorremos cada vez menos a ambientes desprovidos de stress urbano e que chegamos a estes, por vezes, como um animal ferido, procurando no isolamento no seu verdadeiro habitat.
Materializar esse reencontro através das minhas imagens, ou retratar a ânsia do mesmo, de alguma forma, é essencialmente importante que se transmita esperança mesmo na pintura de uma tempestade, mesmo quando não estamos certos de ir a tempo para cicatrizar as feridas mais profundas, acaba por ser uma luz para o futuro que a humanidade possa guardar.
Já tens alguma exposição no horizonte?
Estou muito entusiasmada porque há uma exposição no horizonte. Infelizmente por causa da pandemia ainda estamos a discutir datas, para já não posso adiantar muito mais. Posso dizer que será em Paris e ainda este ano.