Revista Rua

2023-12-22T10:38:47+00:00 Opinião

Ucrânia em perspetiva: Lições históricas e imperativos actuais

Atualidade: Ucrânia
Pedro Nascimento
22 Dezembro, 2023
Ucrânia em perspetiva: Lições históricas e imperativos actuais
Maio de 1940. Os alemães encurralaram a Força Expedicionária Britânica e os seus aliados no Norte de França, em Dunquerque. Hitler decidiu não dizimar aquelas forças inimigas, na certeza de que os britânicos teriam como única saída a procura da paz.

Mas o líder nazi subestimou a determinação britânica. O país uniu esforços e conseguiu encetar a mais épica evacuação de toda a História: a Operação Dínamo salvou a vida a mais de 300 mil homens.

E foi neste momento que Winston Churchill proferiu uma das mais lúcidas conclusões: “Devemos ter muito cuidado para não atribuir a esta libertação os atributos de uma vitória. As guerras não se vencem por evacuações.”

Volvidos mais de 80 anos, devemos uma vez mais ter em devida conta aquilo que a História nos ensina. A Ucrânia tem travado uma luta estoica, na defesa da sua soberania, do seu território e pela sua sobrevivência, combatendo um inimigo com recursos bem superiores com extrema tenacidade. Mas tudo isso não é suficiente para se vencer uma guerra.

A contra-ofensiva ucraniana não alcançou os objectivos. Por conseguinte, a conquista russa de toda a Ucrânia não é totalmente impossível. Se os Estados Unidos cortarem toda a assistência militar e a Europa seguir o exemplo, o exército russo triunfará (ainda que conte com muitas baixas) até à fronteira da NATO, controlando uma área desde o Mar Negro até ao Oceano Ártico.

É verdade que a Ucrânia, com apoio ocidental, conseguiu destruir mais de 80% do exército russo que invadiu aquele território em Fevereiro de 2022. Mas os russos conseguiram substituir as pesadas perdas de recursos humanos e estão agora a aumentar consideravelmente a sua base industrial para compensar as perdas materiais a um ritmo muito mais rápido do que a sua capacidade pré-guerra permitia.

Além disso, não olvidemos que no final desta guerra as tropas de Putin terão uma enorme experiência em combate, que será consideravelmente maior do que a das forças terrestres russas anteriores a 2022. E com uma vitória no terreno, a economia russa recuperará à medida que as sanções inevitavelmente se desgastarem, com Moscovo a desenvolver formas de contornar ou mitigar as que persistem. Com o tempo, a Rússia estará em condições de aproveitar a riqueza da experiência duramente conquistada numa guerra mecanizada. E poderá representar uma grande ameaça militar convencional para a NATO pela primeira vez desde a década de 1990, até porque Moscovo já se comprometeu com um ambicioso programa de expansão militar pós-guerra, conforme o Kremlin anunciou em Dezembro de 2022.

Não descuremos que o potencial militar global dos Estados Unidos e dos seus aliados da NATO é bem maior do que o da Rússia. Dúvidas não restam sobre a capacidade do Ocidente para derrotar qualquer exército russo, mesmo assumindo que a Rússia conseguiria conquistar totalmente a Ucrânia e absorver a Bielorrússia. Porém, os americanos ponderam agora os custos de continuar a ajudar a Ucrânia a combater os russos nos próximos anos. Releva também agora a questão: quais serão os custos de uma vitória da Rússia?

Os Estados Unidos enfrentam a necessidade de deslocar uma parte substancial das suas forças terrestres para a Europa para dissuadir e proteger-se contra uma nova ameaça após a vitória completa de Putin na Ucrânia. Será necessário posicionar um grande contingente de aeronaves

na região, uma operação assaz dispendiosa. No entanto, os desafios inerentes à rápida produção dessas aeronaves provavelmente forçarão os Estados Unidos a fazer uma escolha crítica entre manter um contingente adequado na Ásia para defender Taiwan e os seus aliados asiáticos, e dissuadir ou repelir um eventual ataque russo a um membro da NATO. Todo esse esforço acarretará um custo exorbitante. E essa despesa perdurará enquanto persistir a ameaça russa.

Assim, parece claro que oferecer apoio militar contínuo para ajudar a Ucrânia a manter as suas posições actuais é muito mais vantajoso e económico para os Estados Unidos e para a Europa do que permitir que o país seja derrotado. Não o fazer apenas daria à Rússia tempo e espaço para preparar-se para uma nova investida, visando a conquista da Ucrânia e um eventual confronto directo com a NATO. Além disso, o apoio contínuo à Ucrânia só contribui para uma defesa mais robusta e eficiente do continente europeu na vanguarda da defesa da NATO.

É crucial que a assistência à Ucrânia persista sem interrupções. Abandonar a Ucrânia à sua sorte, como aconteceu noutros contextos com outros países, não é uma opção viável. As circunstâncias geopolíticas, a importância estratégica e as consequências de um eventual abandono da Ucrânia são radicalmente distintas. O país está no epicentro de uma luta pela estabilidade regional, e a sua sustentação contra agressões externas não apenas preserva a segurança local, mas também influencia diretamente a estabilidade global. É essencial reconhecer que a derrota da Ucrânia não pode ser tratada como uma situação “inevitável”, pois o seu apoio contínuo não apenas serve os interesses locais como é fundamental para a estabilidade e segurança internacional.

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Nota: O autor escreve segundo a antiga ortografia.

Sobre o autor:

Advogado. Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Aficionado por música e desporto. Entusiasta de História Militar e autor da página WWII Stories Group.

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