Todos os dias se repetem interminavelmente longos. Ainda assim, o tempo cresce em nós demasiado rápido. Dias e dias encarcerado com vislumbres de cores pálidas entre as mesmas quatro paredes e a morte banalizando-se a cada manhã. Teria mais esperança para um novo ano se todos os membros do meu corpo ainda estivessem intactos – demoro-me cada vez mais a escrever porque um peso enorme sobre o peito me asfixia.
“Cria-se da angústia uma cadeira para assistir à noite”. Escreve Jorge de Sena, e continua “E a noite que é como alguém que desce, / cheio de confiança”. Parece-me antes que da confiança se faz cadeira para assistir a mais uma noite que desce, cheia de angústia. Em todo o momento paira sobre as nossas cabeças pequenas um ar anacrónico. Destoado de qualquer bom senso que outrora nos comandava os passos na rua. É esse mesmo ar que me asfixia o peito e que me inebria.
Diariamente carregam desabafos atrás de desabafos nas redes sociais que ninguém lê, porque estão todos mais preocupados em desabafar eles próprios. Um eco enorme de vozes clama por um par de ouvidos que as ouçam. Comentários que se carregam de justiça moral, de “certo” ou “errado”, de opiniões fundadas em “eu acho”… tanta voz que não passa da virtualidade do ecrã porque nenhum passeio permite que o tom se propague a mais de dois passos.
O descompasso absurdo a que todos fomos obrigados colaborou na insanidade de tanta gente – na crença paranoica, nas conspirações, na desconfiança do governo, no desespero… muitos não aguentaram o eco da própria voz no silêncio do quarto, portanto requisitaram todo o barulho possível que a sua voz possa propagar. A solidão da própria presença seca a esperança em si mesmos.
Então demoro-me cada vez mais a escrever. Porque numa altura em que a literatura e a poesia fazem tanta falta, coincide também com a altura em que tão poucos se fazem escutar através dela. Já não há a procura de expressar aquilo que se sente, o desespero, o descompasso moral, a raiva, tudo isso, através de um escritor/poeta – há sim uma desarmonia de vozes que grita para o vazio sem que ninguém as oiça. Não há porta-vozes que elevem a voz dos que não se ouvem, porque ninguém os procura. Uma descrença literária.
Sobre o autor
Licenciado em Filosofia (atual mestrando). Escritor, no sentido lato da palavra. Um apaixonado por boa literatura. Presente através do ig (@marcioluislima) e de becodapedrazul.wordpress.com. Toda a escrita tem por base o detalhe certo, daí sucede-se a vida.