
Mais de 130 dias de uma guerra que continua a destruir a Ucrânia e a vida de um povo que parece destinado a experimentar os piores horrores que a tirania teve e tem para oferecer. Os objectivos declarados da Rússia continuam a passar pela mudança do Governo de Kiev e o corte da soberania de qualquer estado ucraniano que sobreviva à invasão. E para os russos, tal como Ovídio firmou para eternizar a sua obra “Heróides”, os fins justificam os meios.
Apesar dos reveses militares russos e da retórica do Kremlin, que aponta para uma redução nos objectivos de guerra após uma série de derrotas – nomeadamente em Kiev -, o secretário do Conselho de Segurança da Rússia, Nikolai Patrushev, declarou no passado dia 5 de Julho que a operação militar russa na Ucrânia continuará até que a Rússia atinja seus objectivos de proteger os civis do “genocídio”, “desnazificar” e desmilitarizar a Ucrânia, obrigando o país a permanecer neutro.
O discurso de Patrushev é basicamente a reafirmação dos objectivos iniciais que Vladimir Putin anunciou no passado dia 24 de Fevereiro, o primeiro dia da invasão da Ucrânia.
Ora, volvidos quase cinco meses, estas afirmações indicam que o Kremlin não considera os recentes ganhos russos no Oblast (distrito) de Lugansk verdadeiramente suficientes para cumprir os objectivos iniciais da “operação especial”. Todo o circunstancialismo aponta no sentido de a Rússia ter significativas aspirações territoriais além do Donbass. Os russos preparam-se para uma guerra prolongada com a intenção de tomar porções muito maiores do território ucraniano.
A SITUAÇÃO NO TERRENO:

EIXO DONBASS:
As movimentações das forças russas no terreno também indicam que a invasão vai continuar além do Oblast de Lugansk e do Donbass. Continuam as operações ofensivas a Noroeste e Leste de Slovyansk. O porta-voz do Ministério da Defesa ucraniano, Oleksandr Motuzyanuk, afirmou que elementos do 8.o e 58.o Exércitos de Armas Combinadas da Rússia, aliados a elementos do 2.o Exército Blindado de Guardas e Forças Aerotransportadas (VDV), estão a participar nos esforços para avançar sobre Slovyansk. A Sudeste de Izyum, os russos realizam constantes ataques de artilharia contra posições ucranianas. E a fim de continuar a estabelecer condições para avanços em Slovyansk a partir do Sudeste de Lyman, as tropas de Putin avançaram 5 km ao longo da rodovia E40 e estão agora a 16 km a Norte da cidade.
Fontes russas informaram que as tropas começaram os trabalhos de desminagem e limpeza em Severodonetsk e Lysychansk, procurando expandir o seu controlo e presença administrativa na área, continuando assim a usá-la como base para futuras ofensivas a Oeste. Aliás, foram já iniciadas as operações ofensivas a Leste de Bakhmut. Os invasores preparam-se agora para operações ofensivas subsequentes em Bakhmut e Siversk.

Além do Eixo do Donbass, a ofensiva russa conta com mais dois eixos principais: a Noroeste do Donbass (Eixo de Kharkiv) e a Sudoeste (Eixo Sul).
EIXO KHARKIV:
Em Kharkiv, as forças russas continuaram os ataques aéreos e de artilharia contra as infraestruturas militares ucranianas a Norte, Nordeste e Leste da cidade. Todavia, os invasores não obtiveram ganhos territoriais neste Eixo nas últimas semanas. De facto, os ucranianos conseguiram repelir as forças russas nas semanas anteriores, tendo mesmo alcançado zonas próximas da fronteira. Agora, os russos voltaram a contra-atacar. Cerca de 10kms a Noroeste do centro de Kharkiv, os invasores bombardearam Derhachi com bombas incendiárias. O chefe da administração de ocupação do Oblast de Kharkiv, apoiado pela Rússia, Vitaly Ganchev, afirmou que as forças russas controlam aproximadamente 20% do Oblast de Kharkiv e que as autoridades russas pretendem criar quatro distritos ocupacionais: os distritos de Izyum; Kupyansk; Vovchansk e Kharkiv.

EIXO SUL:
No Eixo Sul, os ucranianos encetaram diversos ataques às posições inimigas no Oblast de Kherson, apesar de não terem obtido ganhos de território significativos. No entanto, as constantes investidas das tropas ucranianas obrigaram os russos priorizar o estabelecimento de linhas defensivas para repelir os contra-ataques.
Serhiy Khlan, conselheiro ucraniano do chefe da Administração Militar de Kherson, indicou que as autoridades russas provavelmente terão dificuldades para impor medidas efectivas de “russificação” naquele local, problemas que provavelmente também se aplicarão a outras áreas da Ucrânia. Khlan afirmou que mesmo que as autoridades russas distribuam 200 passaportes por dia, sem dias de folga, eles distribuirão apenas 6.000 passaportes num mês, o que equivale a uma pequena parte de toda a população que vive no Oblast de Kherson ocupado. Khlan também observou que a maioria dos que esperam nas filas por passaportes russos são aposentados. Isto é notável, na medida em que existem relatórios recentes sobre as autoridades russas em Kherson instituírem pagamentos em rublos para aposentados, sendo que o recebimento de pensões depende da posse de um passaporte russo.

As forças ucranianas estão cada vez mais a visar as infraestruturas militares russas com fogo indirecto e ‘HIMARS’ (sistema de foguetes de artilharia de alta mobilidade), fornecidos pelos EUA, nas profundezas do território ocupado. Também atingiram depósitos de munições russos em Dibrivne, no Oblast de Kharkiv Oblast, e Snizhne, no Oblast de Donetsk (aproximadamente a 75 kms da linha da frente) durante a noite de 3 para 4 de Julho. O Estado-Maior ucraniano publicou um vídeo onde é possível ver um ‘HIMARS’ ucraniano a operar numa área não especificada do Oblast de Zaporizhzhia. Esta maior capacidade das forças ucranianas para atacar instalações militares russas com o ‘HIMARS’ demonstra como a ajuda militar ocidental fornece à Ucrânia novas e eficientes capacidades militares.

Contudo, a actividade nas zonas ocupadas traz muitas preocupações à Ucrânia. Os líderes russos estão agora a estabelecer condições para mobilizar cidadãos ucranianos em áreas ocupadas. O representante do presidente ucraniano na Crimeia afirmou no passado dia 3 de Julho que a administração russa emitiu um decreto do qual resultou a criação de uma “comissão de recrutamento para a mobilização de cidadãos na República da Crimeia”, o que permitirá às autoridades russas mobilizar coercivamente os residentes da Crimeia para a luta contra a Ucrânia.
Paralelamente, as autoridades de ocupação estão a dar continuidade às medidas de integração dos activos económicos ucranianos na economia russa. O chefe da administração de ocupação de Zaporizhzhia, apoiado pela Rússia, Yevheny Balytskyi, afirmou que as autoridades daquele Oblast concordaram em exportar grãos ucranianos para a Arábia Saudita, Irão e Iraque. Balytskyi afirmou que o governo exportará mais de 150.000 toneladas de grãos apenas para o Irão.
Ainda, as autoridades russas continuam a consolidar o controlo dos activos de energia ucranianos. O Centro de Resistência Ucraniano informou em 5 de Julho que as autoridades russas pretendem reactivar a central nuclear de Zaporizhzhia com funcionários russos, provavelmente da empresa ‘Rosenergoatom’. Os ucranianos afirmaram que as autoridades russas pretendem desconectar a central nuclear da rede elétrica ucraniana até ao final de Setembro, o que indica que Rússia pretende desviar totalmente a energia ucraniana para o seu território.
A Rússia invadiu a Ucrânia… para ficar.
Nota: O autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.