
Nos últimos dias tenho-me recordado de ti; e sorrio, como quando te via. És a minha Velhota.
Olho o João Nicolau e vejo-te a ti, de bochechas grandes, abertas, com um brilho nos olhos – sim, a tua vida foi-te dura mas conseguiste ter sempre um brilho no olhar que nos reconfortava, gostavas de te arranjar, vaidosa, e ficavas linda – e sei como gostarias de o ver, de o ter nos braços, sentir o seu cheiro, o toque da sua pele. De o chamar de “meu menino”. De dizeres que é preciso baptizá-lo e eu a contradizer-te, a dizer que ele se baptizará quando tiver consciência do que isso é, e se tal caminho for para ele. Dúvidas que duram uma vida.
E ele sorriria, claro!
Na sua pequenez de bebé, com gritos de alegria que parecem um tampão à voz que se quer soltar e dizer algo belo ao mundo, como “eu amo-te”.
Fez há pouco dez anos que nos deixaste. Dias antes eu tinha chegado do Brasil, doente mas cheio de estórias para contar. E tu, como uma esponja, querias ouvir tudo e imaginar-te lá: do calçadão à Urca, a Lagoa, as idas aos botequins de Santa Teresinha onde se comem deliciosos pasteis e se bebe chopp gelado. E a feijoada?! Deliciosa, com pedacinhos de torresmo crocante.
Já estavas doente e, ao contrário de mim, sabias que não ias melhorar; aquele seria o teu último Natal.
Estiveste firme na consoada mas dispensaste o dia vinte e cinco. Também eu, fiquei na cama.
Dias depois, estava a vir de Lisboa e tu querias falar comigo. Não estava; pensava na imortalidade e que tinha tempo para tudo. Ainda penso.
Mas tu sabias que seria a última vez. Já não fui a tempo e chorei sozinho num parque de estacionamento.
Tenho saudade, aquela coisa tão portuguesa que sentimos. E sorrio; porque a morte faz parte da nossa existência e a melhor forma de a combater é celebrando a vida.
Nota: Este artigo não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.
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