Havia uns certos sinais, por aí, de que 2020 não está a ser um ano bom. Há pessoal que está ansiosamente à espera da passagem de ano. É o mesmo pessoal que come passas e formula desejos em cada fim de ano, mas já me manifestei várias vezes contra isso, não vou bater no mesmo. Mas continuam a pensar que passar de 31 de dezembro de 2020 para 1 de janeiro de 2021 vai matar o bicho. Há coisas piores, podiam ser dos Médicos pela Verdade.
Mas quando começam a surgir vacinas, começa a ressurgir a esperança… morreu Diego. Mais do que o algodão, esta é a prova que não engana: 2020 não é de Deus, porque até Deus morreu.
Para quem é tarado por futebol, como eu sou, Diego Maradona é uma entidade mística. No meu caso, é mesmo um Deus, porque eu nunca o vi no meu tempo de vida (a não ser em vídeos e filmes), tal como nunca vi Jesus Cristo, a não ser em livros e na pessoa de Diogo Morgado. Nem vi Nossa Senhora no cimo de uma azinheira, mas também não peço tanto, não quero ter uns óculos como os da irmã Lúcia. No entanto, creio em tudo e todos.
Falando em tarado: Maradona era certamente adúltero, drogado, alcoólico, homofóbico e misógino. Talvez pedófilo, também. Nesta face negra da moeda – e apesar de ter uma Igreja própria, a Igreja Maradoniana – assemelhava-se a uma parte das práticas da Igreja cristã. Talvez também por isso lhe chamassem Deus, se formos a pensar bem.
Obviamente, não é esse Maradona que idolatro, nem é esse que merece ser homenageado. Se recentemente houve o António Costa primeiro-ministro, que não estava na comissão de honra de Luís Filipe Vieira, e o António Costa benfiquista, que estava, também há que distinguir o Diego pessoa – que, mesmo com muitas falhas, tinha muitas virtudes – do Diego jogador, que não tinha falhas nenhumas.
É este o Diego que merece ser homenageado. O Diego que nasceu num bairro de lata e já falava em ser campeão do mundo. O Diego que começou a sustentar a família aos 15 anos. O Diego que mudou a história de uma cidade do sul de Itália, cujos habitantes eram insultados e renegados por um país inteiro, uma Nápoles que deu a volta dentro de campo, guiada por um Messias de metro e meio. O Diego que foi escorraçado por esse mesmo país. O Diego que também levou, praticamente sozinho, um país a ser campeão do mundo. E também nesse caso, vingou um povo dentro de campo: ‘roubou a carteira’ aos ingleses, que mataram muitos compatriotas nas Malvinas, com a Mão de Deus. E os ingleses perdoaram, porque têm lá as cenas deles, mas sabem que Deus escreve certo por linhas tortas, que, por sua vez, vão bem com o chá das cinco. Isso basta-lhes, e a mim também.
Maradona sempre teve tamanho de criança e sempre foi criança dentro de campo, por isso é que era melhor do que os outros. Fazia as malandrices que os miúdos fazem nos campos das escolas – tirando os panhonhas como eu, que admitiam quando aldrabavam. Aliás, a única semelhança que tenho com ele é sermos ambos canhotos, o que, supostamente, é coisa, não de Deus, mas do diabo. E digo “sermos”, porque como vem no título, Maradona não morreu, Maradona viveu e viverá. Aliás, não sei como ninguém se lembrou deste título, de trocar o “morreu” pelo “viveu”. Ainda bem, assim também passo por ser genial.
Se Deus Nosso Senhor fez o golo contra a França, o outro Deus criou a Natureza e o cancro, para contrapor, Maradona também fez muita coisa mal feita, mas o que fez de bom suplantou (quase) tudo. Não é só chutar uma bola, com outros homens, num relvado. É mudar a vida de milhões de pessoas que perdoam o mal que os Deuses lhes fazem, pelo bem que lhes trazem.
Sobre o autor:
Tenho dois apelidos como os pivôs de telejornal, mas sou o comunicador menos comunicativo que há. Bom moço, sobretudo.