Revista Rua

2021-02-15T10:58:35+00:00 Opinião

Basta!

Humor
João Lobo Monteiro
15 Fevereiro, 2021
Basta!

“É preciso meter o emoji de um burro ou a tua cara dá equivalência?”. Foi este o comentário de ódio, dirigido a mim (ou ao adepto do Braga que sou), que me deu tema para este texto. Abençoados sejam os comentários de ódio, neste caso. Se bem que, no meu telemóvel, não aparece o emoji de burro. E pelo que pesquisei, não existe um emoji de burro em nenhum sistema operativo, não sei onde é que o ‘senhor’ o ia buscar. Eu ponho-me a pensar nestas coisas, que é para não ficar, lá está, burro. Além disso, no vídeo que gerou este comentário, eu estava com uma farta barba, estava mais para macaco ou lobisomem. Desses, acho que já há emoji e eram mais adequados à minha cara. Mas era para o comentário fazer sentido? Não era, até porque o ‘senhor’ nem ouviu o que eu disse e protestou com algo que eu não disse. Portanto, chamar-me burro, no meio disto tudo, não é a coisa mais estapafúrdia.

Eu já disse aqui, há uns meses, que isto da Covid não nos ia tornar melhores pessoas. Pelo menos, as pessoas más – ou não, necessariamente, são só pessoas com muito ódio e muita bílis no coração – não iam ficar melhores só porque há um vírus que ataca indiscriminadamente. Pois se eles também atacam indiscriminadamente… Com este segundo confinamento, acredito que as paredes das casas dessas pessoas já estão todas escavacadas, de elas tanto barafustarem, e portanto têm de descarregar, ainda mais, nas redes sociais.

Isto não é algo local, porque acontece um pouco por todo o mundo, nem é uma coisa geracional, porque, na mesma situação e noutras parecidas, recebi comentários semelhantes de miúdos e de senhores que já têm idade para terem netos. “Mas também, quem te manda falar de futebol e ser do contrapoder, João?”. Fosse política ou receitas de bacalhau, ia dar ao mesmo. Há sempre pessoal que se ofende e está contra. E eu falo do que eu quiser, seus palhaços! Eita, baixou em mim o comentador insensato das redes sociais. Desculpem.

Felizmente, ainda (ainda!) vivemos em liberdade e todos temos direito a dizer coisas estúpidas, mesmo que em redes sociais, que, se são sociais, é porque não são ditas numa conversa privada, são relativamente públicas. Mas talvez muitos desses ‘comentadores’ nem queiram que se viva em liberdade de expressão, apesar de quererem ter liberdade de expressão para dizerem o que dizem. Faz sentido? Também não é para fazer.

O que eu costumo fazer, e só não fiz neste caso porque era dirigido a mim (apesar de nem ter respondido), é ignorar as caixas de comentário. Porque se a gente grita de volta, “a parede é branca e faz ricochete”, já dizia José Castelo Branco. Mais uma vez, a trazer-vos as melhores referências.

Por outro lado, fico a pensar se não é melhor, de vez em quando, apresentar-lhes o contraditório. Eles não vão perceber, vão só zurrar de volta (já que sou burro), mas pelo menos se tentarmos ser sensatos e respondermos com essa sensatez, pode ser que consigamos pôr o nosso grão de areia e educar estes pequenos Tarzans. Sou muito anjinho na vida, eu sei.

Mas depois, vai-se a ver e a bastonária da Ordem dos Enfermeiros também é uma destas pessoas e, aparentemente, não é – ou não devia ser – uma Tarzana. Tarzona. Não sei. Mas recorrer ao body shaming, para alguém que manda em enfermeiros, que lidam com todos os tipos de corpos, não é lá grande sinal de tolerância. E evocar poetas mortos? Classe! Melhor, só o Robin Williams, no dito cujo filme.

Seja sobre futebol, sobre política, sobre o Holocausto e até sobre a Covid, em que há médicos negacionistas de algo que já matou milhões de pessoas, caminhamos para sítios que não são bonitos e, aparentemente, é só deixar andar, que isto passa. Que mal é que há de vir ao mundo agora, só por causa de comentários de ódio nas redes sociais? Que mal é que há de vir ao mundo, só porque há líderes a incitar indiretamente a atos de violência? São só filmes da minha cabeça. Por acaso, até sou bom nisso, tenho de admitir.

Sobre o autor:
Tenho dois apelidos como os pivôs de telejornal, mas sou o comunicador menos comunicativo que há. Bom moço, sobretudo.

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