Revista Rua

2018-08-08T11:32:27+01:00 Cultura, Música

Dear Telephone

Onde os lugares emergem
©André Tentugal
Nuno Sampaio12 Novembro, 2017
Dear Telephone
Onde os lugares emergem

Começamos por Cut, o vosso último trabalho. Quais são as principais diferenças que vamos encontrar neste último álbum em relação a Taxi Ballad?

A principal diferença foi termos colocado cada um dos músicos, na sua vez, num plano muito mais próximo e apertado. É um disco com mais arestas, mais exploratório e vincado. Por outro lado, é um disco menos interior e aveludado. Se Taxi Ballad era um quarto de hotel com vista sobre a cidade, Cut é a cobertura de um prédio, é fumo e cheiros fortes, é luz de frente.

Vocês são uma banda de bandas. Todos colaboram com outras bandas, outros projetos, sons diferentes. Quando ouvimos Dear Telephone – e, conhecendo as outras bandas, – encontrámos, ou encontrámo-nos, num cómodo anacronismo musical; uma viagem no tempo que parece querer assentar vínculos e encontrar o próprio pouso. Este é o vosso sentido principal?

O sentido estético de Dear Telephone não é fácil de resumir, ainda que haja questões estruturais da nossa abordagem: personagens idiossincráticas, o quotidiano, a cidade; a subversão do formato canção; a exploração intensiva do carácter de cada músico, com o mínimo de artifícios; um oscilar entre tensão e contemplação. Na verdade, e apesar de estarmos envolvidos em muitos outros projetos – de onde trazemos, inevitavelmente, elementos que formam e enrijecem a nossa forma de ser músicos – não há paralelos óbvios que se possa traçar entre estes e Dear Telephone. É um lugar especial para nós, que a cada passo se vai tornando mais definido, mais denso, mais expressivo e desejavelmente menos cómodo!

Taxi Ballad é um filme?

Em certo sentido, sim. Ainda que a narrativa seja pouco linear, são capítulos que tratam de interioridade e personagens solitárias – com os seus fantasmas, vivos e imaginados.

Numa entrevista, em 2013, em género de explicação do vosso processo criativo, disseram que “era como alguém a sair de um táxi amarelo (do imaginário cinematográfico norte-americano), no meio de uma cidade; uma espécie de espaço de meditação no meio do caos”. Todo o vosso percurso, até hoje, está ligado a esta atmosfera?

Essa imagem era uma espécie de motto do Taxi Ballad. Se pensarmos em Dear Telephone como uma personagem, em Cut ela saiu do dito táxi, tratou das compras no shopping, só acertou à terceira com a roupa para a festa, é animal social, acordou de ressaca, está atrasado para a reunião.

As vossas influências musicais estão muito integradas neste universo norte-americano que flutua entre o final dos anos setenta e o início dos anos noventa. Às vezes encontramos traços dos primórdios de bandas como Slowdive, outras ao ruído puro da cultura pop de Velvet Underground. Esta dicotomia por vezes está presente no mesmo álbum. Isto acontece por acaso, é inconsciente?

A música dos outros está pouco presente nas nossas conversas. Mais facilmente discutimos os livros do David Lodge ou os filmes do Alexander Payne.

É difícil ser músico em Portugal? É difícil ser um artista em Portugal?

Essa dificuldade faz parte do ideal romântico do artista, na generalidade. Na verdade, o mais difícil para nós seria não ser músico! Na prática, Portugal já começa a ser um território relativamente amigável para a produção artística, nomeadamente na área da música. Há muitas e boas salas, há público, há interatividade entre músicos, entre estes e os diversos agentes.

O paradigma da cena musical em Portugal mudou muito desde a vossa existência. Como é que veem o corpo desta nova estrutura? A existência de mais bandas é sinónimo de mais apoios? O que é ainda preciso fazer?

Houve um período, que coincide de algum modo com a nossa existência, de crescente profissionalização da cena musical em Portugal. Aprendeu-se muito e houve a necessidade de adaptar muitos vetores da existência das bandas ao novo paradigma. Achamos o saldo francamente positivo. Evidentemente, há aspetos a melhorar, que decorrem deste processo de afinação. Por exemplo, a imprensa, que seguiu um caminho oposto, mais desgarrado, disperso e menos profissionalizado. Ou o excesso de eventos, em detrimento de concertos.

Os últimos anos também têm sido marcados pelo desaparecimento de importantes músicos. Muitos dos progenitores de tendências, de estilos e de estéticas musicais deixaram-nos. A música, as deles, prevalece e prevalecerá no tempo. São urgentes novos ídolos, novas estéticas?

O fim dessa idolatria corresponde à crescente dificuldade em manter um nome à tona durante um período suficientemente longo que permita que se instale, como num trono, acima dos mortais. Nesse sentido, o tempo dos ídolos não deixa saudades. Por outro lado, dedicar atenção a um corpo de obra, desmontá-lo e vivê-lo intensamente, torná-lo numa referência realmente respirada que possa ser inspiração e se traduza operativamente no ato de criar ou consumir, parece coisa do passado. Tudo é mais etéreo e passageiro.

Urgente será que cada vez mais as estéticas não sejam apenas enésimas derivações de outras que as precedem, em ciclos de copy – paste + edit, e se tome mais atenção ao trabalho realmente autoral.

Quem, para vocês, foi a banda ou músico mais importante dos últimos de anos?

Essa é uma pergunta demasiado aberta e com demasiadas respostas. O mais importante para cada um de nós? O mais importante para a banda? O mais importante para a música em geral ou num contexto mais específico? O mais importante pela positiva ou pela negativa? Ou seja, a resposta poderia variar entre o Jon Hopkins e a Joni Mitchell, o Max Martin e o Brian Blade, o Dean Blunt e a Beyoncé.

Futuro é uma palavra que vos assusta ou é algo natural, um sistema do tempo?

Futuro é das palavras que mais nos excita!

©André Tentugal
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