Revista Rua

Ana Moreira: “O cinema português continua forte e cada vez mais diversificado”

A atriz dá vida a uma mãe em desespero à procura do filho no filme “Sombra”, de Bruno Gascon.
©Luis Sustelo
Andreia Filipa Ferreira2 Novembro, 2021
Ana Moreira: “O cinema português continua forte e cada vez mais diversificado”
A atriz dá vida a uma mãe em desespero à procura do filho no filme “Sombra”, de Bruno Gascon.

Reconhecida atriz portuguesa desde a sua participação em Os Mutantes, de Teresa Villaverde, em 1998, Ana Moreira é o rosto que carrega a história de Sombra, um filme realizado por Bruno Gascon e que trouxe às salas de cinema portuguesas a angústia de uma mãe após o desaparecimento do filho. Dando vida a Isabel, numa performance que lhe valeu a indicação ao prémio Melhor Performance no Raindance Film Festival, em Londres, Ana Moreira fala à RUA sobre a exigência deste projeto. “A possibilidade de conhecer estas mães e escutar as suas histórias foi imprescindível para a construção da minha personagem. É uma realidade dura de encarar, é impossível ficar inalterado depois de conhecer de uma forma mais íntima e profunda os relatos destas mães que todos os dias vivem com a ausência dos seus filhos”, afirma Ana Moreira.

©Luis Sustelo

Depois de uma pandemia que obrigou ao adiamento da estreia do filme, Sombra chegou finalmente aos cinemas trazendo uma história angustiante e, ao mesmo tempo, necessária de ser contada. A nossa primeira pergunta para a Ana tem a ver com o processo de preparação desta personagem, uma Isabel que carrega aos ombros um sofrimento enorme. Foi um desafio aliciante?

O trabalho de preparação para este filme envolveu várias fases. Mas foi logo nas conversas iniciais com o realizador Bruno Gascon, onde tivemos a oportunidade de nos conhecer melhor, pois esta foi a primeira vez que trabalhamos juntos, que imediatamente compreendi que ia ser um projeto muito desafiante, com uma história marcante e com personagens complexas e exigentes.

Trabalhar nesta história com o realizador Bruno Gascon foi um processo interessante para si enquanto atriz? Que feedback nos pode dar sobre o trabalho de rodagem deste filme?

O Bruno é um realizador atento e implicado que, para a construção do argumento do filme, falou com várias famílias de crianças desaparecidas de forma a representar as suas histórias de uma forma justa e digna. Durante a rodagem senti que tinha um realizador que sabia bem o que queria, com ideias bem definidas, mas que também criava espaço para haver um processo colaborativo entre todos os membros da equipa. Percebi também que é um realizador que gosta muito de trabalhar com atores, que está sempre ao nosso lado e que há um lado muito humano na forma como gere as suas rodagens.

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Em Sombra, Ana Moreira veste a pele de Isabel, uma mãe desesperada em busca do filho desaparecido. É uma história que nos relembra o mediático caso do desaparecimento de Rui Pedro, em 1998. De alguma maneira, a Ana sentiu maior pressão por saber a repercussão que contar esta história teria?

Não posso afirmar isso porque não é possível antever durante a rodagem de um filme que repercussão é que ele vai ter mais tarde quando estrear. Aliás, creio que se esse pensamento me ocupasse a cabeça enquanto estivesse a construir a personagem ou quando estivesse a filmar só me iria restringir, não seria benéfico. O mais importante quando abraças um projeto destes, em que a tua personagem carrega todo o filme às costas, é compreender a pertinência e o valor da história que se quer contar, bem como acreditar nas pessoas que estão envolvidas desde a produção, a equipa técnica e o elenco.

Apesar das semelhanças, este filme não é um documentário. É importante passar essa mensagem, correto? É um filme inspirado em vários casos reais, apesar do “peso” da história de Rui Pedro, certo?

O filme Sombra é uma obra de ficção baseada em factos verídicos. Existe um grande trabalho de pesquisa que serve de alicerce para o seu argumento e realização conduzido pelo Bruno Gascon, pela produção e também pelos atores que interpretam as várias personagens. O caso do Rui Pedro é o mais mediático, faz parte da nossa memória coletiva e nesse sentido a imagem da mãe, a Filomena Teixeira, está muito presente.

©Luis Sustelo

“Perceber as marcas e o desgaste físico e psicológico que estas mulheres carregam é muito perturbador. Por outro lado, é admirável a força, a resiliência e o amor que as move numa luta constante para descobrirem os seus filhos.”

É notável a complexidade da personagem. Foi emocionalmente exigente para a Ana trabalhar esta personagem? Como foi envolver-se nesta personagem e nessa angústia?

Para além dos ensaios com o realizador e com o elenco onde fizemos o levantamento das cenas e partilhamos as nossas ideias, também tive a oportunidade de falar com famílias de crianças desaparecidas. A possibilidade de conhecer estas mães e escutar as suas histórias foi imprescindível para a construção da minha personagem. É uma realidade dura de encarar, é impossível ficar inalterado depois de conhecer de uma forma mais íntima e profunda os relatos destas mães que todos os dias vivem com a ausência dos seus filhos, sem saberem o que é que lhes aconteceu ou quem é que os levou. Perceber as marcas e o desgaste físico e psicológico que estas mulheres carregam é muito perturbador. Por outro lado, é admirável a força, a resiliência e o amor que as move numa luta constante para descobrirem os seus filhos. Agora em relação ao meu trabalho como atriz é importante desmistificar a ideia de que o ator tem de sofrer de forma igual às suas personagens. A nossa prática artística não se rege apenas pelas emoções, há uma técnica, conhecimento e consciência para interpretar diversas personagens até as mais complexas. É o ator que controla as suas personagens, não o contrário.

O facto de este filme ter um período temporal alargado trouxe maior exigência ao seu trabalho de atriz, correto?

O filme faz um arco de tempo de cerca de 15 anos. O trabalho realizado pelo guarda-roupa e pela maquilhagem foram muito importantes para a composição da personagem. Em especial o de caracterização onde era fundamental marcar no rosto a passagem do tempo, através de um processo de envelhecimento, bem como as marcas de desgaste físico e emocional que ela atravessa.

 

É um filme que junta vários nomes reconhecidos do cinema português, de Vítor Norte a Miguel Borges ou Joana Ribeiro. Considera que todo este elenco ajudou neste processo de evolução de uma personagem tão exigente?

O elenco que o Bruno Gascon juntou para este filme foi fundamental. Trata-se de um conjunto de talentos reconhecidos pelo grande público e foi uma honra trabalhar com todos eles.

 

©Luis Sustelo

A prestação da Ana tem sido amplamente elogiada. Como se sente ao receber estes comentários tão gratificantes?

É sempre gratificante ver o nosso trabalho reconhecido. Se, por um lado, fico sempre meio sem jeito e envergonhada perante os elogios, por outro deixa-me muito feliz se com esta história e se com este filme conseguimos chegar a muitas pessoas e sensibilizarmos o público com um tema que faz parte da nossa realidade e que merece ter visibilidade, trazendo-o através do cinema para um lugar de debate e reflexão.

Mais uma vez, o cinema português dá cartas e mostra aos próprios portugueses o talento nacional, tanto a nível de realização como de interpretação. Considera que estamos numa boa fase para o cinema português? Qual é o seu ponto de vista, de uma maneira geral?

O cinema português continua forte e cada vez mais diversificado. As razões pelas quais continua forte prendem-se com a vontade e resiliência por parte das produtoras, realizadores e equipas em arranjar os meios para o conseguir fazer. O nosso cinema foi sempre bem recebido nos festivais e nas salas de cinema internacionais, muitas vezes premiado e bem referenciado pela crítica especializada. A resistência por parte do público português, que foi e continua a ser muito colonizado pelos blockbusters do cinema americano, está talvez a começar a dissipar-se. Gostaria de acreditar nisso, mas acho que é ainda necessário fazer um trabalho, também da nossa parte, para aproximar o público português do cinema nacional. Neste momento, o Sombra está nomeado para melhor filme e eu estou nomeada para melhor performance no festival independente de cinema de Raindance em Londres. Trata-se de um festival muito importante e estou muito feliz com a nomeação. Gostava de ver o filme Sombra, quer pela sua qualidade técnica e artística, bem como pela importância da história que nos traz, a ser valorizado da mesma forma em Portugal.

“Gostava de ver o filme Sombra, quer pela sua qualidade técnica e artística, bem como pela importância da história que nos traz, a ser valorizado da mesma forma em Portugal.”

É impossível não questionarmos que planos tem a Ana para o seu futuro próximo. Há novidades (como atriz ou realizadora) que nos possa contar? Quais os anseios em termos de carreira?

No final de novembro vou estrear um espetáculo encenado pelo coletivo Silly Season, intitulado Hotel Paraíso no Teatro Baltazar Dias no Funchal e em dezembro estamos na Escola de Mulheres perto da Estefânia, em Lisboa. Em paralelo continuo a desenvolver outros projetos de teatro e de realização.

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