Theobald e Bluma conhecem-se desde que nasceram. Atravessaram a Segunda Guerra Mundial, a qual deixará para sempre marcas profundas num e no outro, e em adolescentes aquilo que antes os separava, a mensurável distância de apenas dois anos de idade, mas que pauta a diferença entre o pensamento de menina-mulher e de rapaz-criança, torna-se apenas um detalhe. Entre juras de amor onde se citavam excertos de livros e poemas, em bancos de jardim e passeios em parques e cemitérios, pela sua plenitude e tranquilidade, Bluma, que é descrita como um poema, torna-se inacessível, enquanto Theobald parece ser engolido pelo cimento crescente de um muro em construção, onde os check points e arames farpados se tornam numa realidade em pouco mais que escassas horas. Tudo o resto parece desaparecer e, enquanto Bluma, sempre tão ávida de esperança começa a esmorecer a sua força, Theobald parece finalmente começar a compreender melhor a vida em seu redor, os seus limites e a refazer-se aos poucos, naquilo que será uma forma de sobrevivência a um muro que, sempre se soube, não iria durar para sempre.
É notória a capacidade que Afonso Cruz tem para escrever livros onde os livros são elementos essenciais às personagens. Este “Sinopse de Amor e Guerra” (Companhia das Letras e editado em dezembro 2021) é mais um pequeno, mas maravilhoso exemplo onde o jeito com as palavras transforma cada parágrafo em algo emocionante e generoso, que nos educa e ensina exatamente à mesma proporção em que o tio de Theobald lhe dá conselhos e ensinamentos.
Baseado numa história real, onde o pai do autor tem também um papel preponderante no contar dos eventos, a história de Bluma e Theobald poderia ter um outro qualquer desfecho, mas a forma meticulosa e ardilosa como Afonso descreve e caracteriza as suas personagens, torna-as únicas num mundo de então, onde existia o Este e o Ocidente, um pós-Guerra de separação e sobrevivência, a crueldade, e depois disso a Vida e o Amor.
Um livro que deveria ter sido uma novela, mas que certamente ganha todo um outro destaque na literatura contemporânea nacional ao explanar de forma tão bela o ódio e o amor e a própria banalidade do mal, que se comete sempre em nome de algo superior. Como sempre, qualquer pessoa em determinada circunstância poderá cometer o maior dos erros, às vezes apenas para sobreviver. Para o Amor viver.